Nara Roesler orgulha-se em inaugurar seu calendário de exposições anuais em seu espaço no Rio de Janeiro com a mostra Arte não. Desenho., individual do artista carioca Milton Machado que ficará em cartaz na galeria do dia 02 de fevereiro a 20 de março de 2021.
O desenho acompanha o artista desde o princípio de suas investigações no campo da arte. A mostra apresenta trabalhos recentes de Machado nessa linguagem. O conjunto de desenhos, produzidos nos últimos quatro anos, em tamanhos e técnicas diversas, incluindo nanquim, acrílica, grafite e colagem, permite-nos vislumbrar as questões atuais que orbitam a pesquisa do artista, síntese de cinco décadas de produção.
Na obra de Machado, desenho é comentário e projeto, mas também ficção e sonho, apresentando devaneios e críticas com ironia. Podemos encontrar esses elementos nos títulos dos trabalhos apresentados. Os nomes em Arte não. Desenho., não auxiliam a decifrar a imagem, mas lhe conferem outras camadas de complexidade. Neles o público encontra diferentes estratégias, que ampliam as possibilidades interpretativas, revelando componentes do universo imagético de Machado. Entre elas, encontramos o humor, como em Desenho manco com alguma dificuldade para seguir adiante (observado por peixes); a autocrítica, em Desenho que só serviu para deixar-me ainda mais (ou menos) constrangido e embaraçado; o comentário irônico sobre a história da arte e seus personagens, em que Pânico de Mondrian diante da árvore e O barbeiro de Cézanne são exemplos; a relação com o universo da literatura, Desenho feito por um escritor (para J.G. Ballard); a criação de cenas, ou narrativas curtas, em Colisão de trens na Köln Hauptbahnhof causa desmoronamento parcial da Catedral de Colônia e Grave engavetamento nas proximidades do borracheiro; além da metalinguagem, explicitando, ou ficcionalizando o próprio processo de criação, como se verifica em Desenho organizado como um organismo.
A exposição traz, ainda, um diálogo com a mostra anterior Mão Pesada, em 2013, na Nara Roesler, em São Paulo. Em texto assinado pelo artista para a exposição na Nara Roesler no Rio de Janeiro, Mão Pesada, título de um trabalho realizado em 1976, assume a espessura de um personagem, uma espécie de alter-ego do artista que tece comentários ácidos sobre o fazer de Machado, estabelecendo um diálogo entre eles. Em um dos trechos ele dispara: “Se ao menos não fossem tão descritivos, tão narrativos, talvez pudessem pretender ser ‘mais arte’. Mesmo os desenhos mais abstratos cortejam o figurativo, como ao identificar a ponte japonesa de Monet em uma confusão indefinida de manchas e rabiscos; ou o pânico de Mondrian diante de uma árvore camuflada, tal qual o goleiro de Handke/Wenders diante do penalty.”
A mostra traz ao público a possibilidade de entrar em contato com o modo como o artista joga com as classificações e sistematizações do sistema artístico, de perceber o desenho retornando ao seu papel de estrutura de um pensamento visual. Na prática de Machado, ele é uma ferramenta reflexiva, não só por servir à especulação intelectual, mas por também refletir o mundo, a história da arte e a transformação de imagens em arte. Em seus trabalhos percebemos o entrelaçamento de gestos e temporalidades, de referências, de formas. Machado nos revela que tudo pode coexistir no desenho. A folha é um espaço utópico, pelas suas possibilidades de aproximação daquilo que se encontra apartado, mas, ao mesmo tempo, é um espaço distópico de provocações visuais.