Amelia Toledo (1926-2017) é uma figura fundamental da arte brasileira no século XX. Sua carreira se estendeu por mais de cinco décadas e se fez marcar, inicialmente, por experimentações esculturais construtivas e pelo subsequente desenvolvimento de investigações sobre as relações entre arte e natureza. Toledo iniciou-se nas artes visuais no final da década de 1930, quando começou a frequentar o estúdio de Anita Malfatti (1889-1964), posteriormente prosseguindo seus estudos com Yoshiya Takaoka (1909-1978) e Waldemar da Costa (1904-1982).
Ao longo de sua trajetória, a artista fez uso de variados meios e técnicas, transitando entre pintura, desenho, escultura, gravura, instalação e design de jóias, sempre mantendo uma grande atenção às especificidades da matéria e à sua aplicação. Seu trabalho esteve alinhado, primeiramente, com a pesquisa construtiva, ecoando noções do neoconcretismo e as preocupações correntes na década de 1960, em especial o interesse pela participação do público, assim como o entrelaçamento entre arte e vida. Toledo desenvolveu seu multifacetado corpo de obra a partir do diálogo duradouro e enriquecedor com outros artistas de sua geração, incluindo, Mira Schendel, Tomie Ohtake, Hélio Oiticica e Lygia Pape.
No final da década de 1950, Toledo empreendeu uma investigação baseada na passagem do plano ao volume, inspirando-se nos trabalhos de Max Bill e Jorge Oteiza. Plano Volume (1959), primeira incursão nessa linguagem, parte de um procedimento simples: cortes circulares formando uma helicoidal em uma chapa de cobre que será posteriormente curvada. Anos depois, repete o método em Om (1982). Nesse caso, a chapa de aço é cortada em espiral com maçarico e pendurada no teto, conferindo-lhe movimento. Sua sombra, projetada na parede por uma luz direta, escreve a forma do símbolo que representa o mantra do som universal segundo algumas religiões.
Em última análise, podemos identificar no interesse de Toledo pela natureza a base do que viria a constituir sua conquista mais marcante, desembocado em investigações sobre o conceito de paisagem, assim como no emprego em seus trabalhos de pedras e conchas coletadas compulsivamente, entre outros elementos naturais. Desafiada por esses materiais, Amelia Toledo seguiu carreira como artista e engenheira, vislumbrando as possibilidades de um concretismo ecológico.
Em trabalhos como Parque das cores do escuro (2002), a artista faz uso de pedras para investigar cores, brilhos, transparências e as variadas formas da “carne” da terra. Toledo criou composições nas quais as peças coletadas das profundezas de cenários naturais são dispostas em variados arranjos, inclusive em diálogo com materiais “modernos”, como o aço inoxidável. As rochas não foram submetidas a nenhum tratamento que alterasse suas características originais, sendo apenas polidas de modo a revelar seus desenhos internos feitos pelos delicados veios capazes de revelar sua temporalidade. Em Dragões Cantores (2007), fragmentos de rocha moldados pelo movimento das marés são ativados pelo espectador que traz à tona diferentes sons ao interagir com eles com um pequeno pedaço de madeira.
Outro aspecto fundamental da prática de Toledo é a cor, interesse que se faz notar especialmente em suas pinturas. Telas da série Horizontes (década de 1990 – década de 2010), estarão em exibição em Nara Roesler, em Nova York, junto com Campos de Cor, série iniciada na década de 1980 e em desenvolvimento até pouco antes de sua morte, em 2017. Em exibição, também poderá ser encontrado um exemplo de seus marcantes e coloridos Penetráveis, destacando a abordagem pictórica “natural” de Toledo, que utiliza pigmentos orgânicos sobre juta, criando uma massa de cor fisicamente penetrável ao revelar o caráter maleável do suporte ao mesmo tempo em que faz emergir o jogo de transparências nele contido.
A exposição também traz colagens de Amelia Toledo feitas em 1958, durante sua estadia em Londres. Nesses trabalhos, ela experimenta com a transparência da seda e do papel de arroz, impregnando algumas folhas com cera de abelha, o que lhes confere espessura, tornando-as quase esculturais. A pesquisa com a materialidade do meio levaria a artista a criar a série Fiapos nos anos 1980. Nesta, o papel parece retornar à condição de polpa, um material disforme e tênue que parece se deixar invadir pela luz e ser moldado pela leveza.
Amelia Toledo se permitiu a liberdade de não se filiar a um grupo e de seguir experimentando segundo sua vontade. Nas palavras da artista: “Não é apenas uma questão de processos diferentes; cada material se constrói, se propõe na forma de certas consequências”. Sua produção ressoa hoje mais do que nunca devido a sua articulação contínua entre estética e natureza, ecologia e forma, enfatizando a sofisticação do design e a crueza da matéria e dos materiais.