O conjunto da obra de Paul Ramirez Jonas – cujo reconhecimento internacional já lhe rendeu participações nas bienais de Veneza e São Paulo, entre outras – é frequentemente marcado pela consciência do coletivo. Isso é, no entanto, tão enraizado em seu pensamento artístico que suas estratégias fogem aos procedimentos colaborativos usuais da arte contemporânea; o artista não apenas confere ao público o papel ativo na construção do sentido dos trabalhos, mas verdadeiramente reflete as complexidades da esfera coletiva e faz delas premissa de suas criações.
Um aspecto dessa preocupação, que se apresenta discreta graças ao caráter irônico de sua poética, foi bem comentado por Pablo Helguera, artista mexicano e diretor acadêmico do MoMA (NY), convidado a assinar o texto crítico da exposição: “...este interesse não contém apenas a dicotomia entre pessoal e público; parece desejar um certo anonimato que, embora pessoal, é conferido pela presença da mensagem em público.” Como caso exemplar, o autor cita os monumentos feitos de cortiça, representados na mostra da Galeria Nara Roesler por um busto – tanto o uso do material prosaico para uma forma geralmente feita em metal ou pedra quanto a presença de um corte que impossibilita a identificação do retratado, subvertem o caráter sempre cerimonioso, afirmativo e simbolicamente inerte do busto. A peça de Ramirez Jonas, não por acaso chamada Ventriloquist, é quase uma transfiguração do mural de recados em cortiça. Um “monumento” parecido, um cavalo em cortiça, foi apresentado na Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2011.
Em outras peças, é o caráter coletivamente constituído da cultura que entra em questão, como em Assembly (Ghazi Stadium), uma série de painéis que compõem a imagem aérea de um estádio de futebol a partir da justaposição de milhares de ingressos de diferentes cores. Cada individualidade ali representada por um ticket sugere distintos potenciais de participação social (fato especialmente eloquente por se tratar de um estádio afegão, palco de esportes mas também de manifestações políticas).
No caminho oposto, mas igualmente crítico, está Registered, obra em que etiquetas, como aquelas usadas para exibir os nomes de pessoas em eventos empresariais, lembram o anonimato que emerge das formas padronizadas de identificação pessoal. Nas duas obras, é possível notar sugestões de respostas abertas a perguntas que menciona Pablo Helguera, “tal como definir o que é uma democracia funcional nos dias de hoje. Como podemos nos unir por um propósito comum sem nos perder nesse processo? Como a arte pode nos ajudar nesse processo?”
Um exemplo mais sutil (e talvez por isso ainda mais rico em interpretações) de indagação inconclusiva é Declaration, trabalho que o artista provocativamente afirma se constituir da única nota e da única palavra de uma nova canção. Um assertivo trompete e uma veemente bandeira são destituídos de suas naturezas usualmente assertiva e veemente: o trompete é suporte para a palavra open – o instrumento não emite som, serve apenas de mastro, e a palavra grafada não se afirma em nenhum sentido determinado. Fica a dúvida se se trata de um manifesto por abertura espiritual, ou mesmo se estamos diante do anúncio de um empreendimento comercial recém-inaugurado.
Estas são apenas alguma das instigantes ausências de respostas conclusivas que essa obra possibilita. No texto curatorial, escrito em forma de carta ao artista, Helguera analisa: “Não existem fórmulas, nem deveriam existir; não existe permanência ou estabilidade nessas respostas, assim como o tamanho, peso e indestrutibilidade de um monumento não garantem sua importância. O que devemos fazer é buscar aqueles momentos de clareza que se alcançam assim como você o faz, ao complicar nossa relação com o público, com o passado, com aquilo que julgávamos ter sido completamente compreendido.”
sobre o autor do texto crítico
Pablo Helguera nasceu em 1971 na Cidade do Mexico. Estudou na School of Arts Visual, University of Mexico e na Faculty of Fine Arts, University Barcelona e na School of Arts, Instituto of Arts, Chicago. Trabalha com desenhos, colagens, instalações, filmes, e performance, além de utilizar palestras e conferências como parte de sua obra. Seus temas são história, pedagogia, sóciolinguista, etnografia e memória, tecendo relações entre história cultural e linguagem. Helguera vive e trabalha em Nova York e é diretor acadêmico do MoMA. Como artista, participou das Bienais do Mercosul e de Havana, e foi bolsista da Guggenheim Foundation.