A Nara Roesler Rio de Janeiro tem o prazer de apresentar A Intimidade da Luz, individual da artista Karin Lambrecht com texto crítico de Fernanda Lopes. A mostra reúne 24 trabalhos inéditos da artista – pinturas e aquarelas sobre papel – de sua produção recente, criada ao longo de 2024 e 2025.
Com trajetória iniciada na década de 1980, Lambrecht pertence a uma geração de artistas que pensam novas possibilidades da pintura, seus suportes e materialidades. Em sua poética, a artista trabalha diferentes materiais pictóricos, desde aqueles mais associados à pintura, como o pastel seco, até os mais inusitados, como o cobre, o carvão e a própria tela, recortada e costurada. Karin Lambrecht também ampliou as possibilidades dessa linguagem, fazendo trabalhos de natureza instalativa e performática.
A produção recente de Karin Lambrecht é reveladora das transformações ocorridas em sua prática desde sua mudança de Porto Alegre para Broadstairs, na Ilha de Thanet, na costa sudeste da Inglaterra. As amplas superfícies de cor com as quais a artista reveste suas telas são reminiscências das impressões e sensações causadas pela paisagem local e sua famosa luz. Nos trabalhos apresentados em A intimidade da luz, existe, nas palavras da artista, uma maior “leveza” no tratamento e na construção pictórica. Essa abordagem, “mais otimista”, como ela diz, se deve ao seu momento de vida atual. A proximidade com o mar e o constante exercício de observação da natureza tornaram o trabalho mais contemplativo, e, em sua visão, distante do teor apocalíptico muito presente nos tempos atuais.
As pinturas são compostas de campos de cor iluminados, construídos a partir da mistura de pigmentos com água, dando às telas um aspecto diluído, assemelhando-se a uma aquarela. Um processo feito a partir da construção de camadas que demandam fisicamente tanto do suporte quanto da própria artista. Alguns trabalhos trazem consigo pequenas incisões de símbolos em folhas de cobre, em especial cruzes e corações. A presença destes simbolismos, muito ligados a relatos bíblicos, é algo presente em sua trajetória desde o início. Embora a artista não se considere uma pessoa religiosa, se sente atraída e pesquisa esses temas e narrativas justamente por compreender o impacto e importância que elas possuem na nossa cultura ocidental.
No texto que acompanha a exposição, Fernanda Lopes observa que as obras da artista “parecem estar murmurando algo”, ressoando tanto a paisagem da Ilha de Thanet quanto o tempo investido no ateliê. “Aqui, tudo parece estar vivo, tudo parece se mexer. Mesmo que em um movimento de tempo mais lento, quase meditativo.” Lopes destaca ainda a dimensão física e performática da produção de Karin Lambrecht, realizada integralmente pela própria artista, sem ajuda de assistentes. “Entre o autorretrato e a performance, sua produção é resultado de tudo o que seu corpo tenta, suporta, alcança e consegue executar, testando a todo momento seus limites", complementa.
As palavras e marcas presentes nas telas funcionam como fragmentos de memória e vestígios corporais. Anotações feitas em carvão vegetal surgem como “sussurros diluídos entre as camadas de cor”, compondo a pintura de maneira sensorial, mais do que textual. “As palavras de Karin funcionam como um alerta brechtiano. Um ruído para chamar a atenção do espectador, e talvez dela mesma, para a ilusão do plano”, escreve Lopes.
Outra sequência de trabalhos importante na mostra são as aquarelas, em dimensões reduzidas, que combinam também aspectos da colagem e do bordado. Karin compara o ato de fazê-las com o de escrever uma carta, não apenas pelo tamanho, mas também pelo caráter intimista dos trabalhos.
Ao comentar sobre seu uso de cores, Karin observa a diferença entre as paisagens: “O Brasil tem essa terra vermelha e o céu muito azul, e acho que aquilo me impregnou. Sempre achei que azul e vermelho é uma combinação perfeita e equilibrada”. Na costa inglesa, a artista lida com tons mais neutros — areia bege, marrom, limo esverdeado — e reconhece que essa nova paleta começa a se infiltrar em sua prática. “A influência interna, espiritual e racional, misturada com as capacidades físicas do meu corpo, influenciam também o meu momento.”