A Galeria Nara Roesler tem o prazer de apresentar uma exposição memorável: um conjunto de seis painéis de azulejos de Athos Bulcão, marca registrada da obra do artista morto em 2008. É a primeira vez que a reedição das obras originais será mostrada em São Paulo, desde o acordo de representação firmado pela galeria com a Fundação Athos Bulcão em 2014. Dois dos panéis, cujos azulejos foram forjados na mesma fábrica que os originais, estrearam na seção Lupa da ArtRio 2014. A curadoria da mostra, que fica em cartaz entre 07.04 e 13.05.2015, é de Agnaldo Farias.
É ele quem define Bulcão como "artista único, preocupado em levar seu trabalho depurado para a esfera social", cujo gênio elevou o muralismo com azulejos "de ícones até as composições abstratas, até os intrincados quebra-cabeças formais, da manufatura até a linguagem padronizada e industrial, e do painel mural para a elaboração de elementos arquitetônicos". A maestria do artista na arte mural, que abraçou como elemento integrante da arquitetura e não como mero forro da estrutura, ganha testemunho na Galeria Nara Roesler por meio dos seguintes exemplares: o do Museu das Gemas, que tem lugar de destaque na vitrine da galeria; o do Hospital de Brasília e do Centro de Reablitação da Rede Sarah Kubitschek; do Instituto Rio Branco; da Diretoria de Gestão e Atendimento ao Público (DGAP); e do Sambódromo do Rio de Janeiro.
Por que Bulcão é considerado um pioneiro no muralismo com azulejos? A questão formal, em que o artista rompe com a geometria padronizada de sua época para se aproximar do público, fornece uma pista da importância desse segmento de sua obra. A própria realização dos trabalhos ganhava organicidade com a inserção do elemento humano como agente do acaso. Nas palavras do curador, "(...) a aplicação de todos os seus painéis é deixada sempre a critério do operário encarregado, um critério que, segundo o artista, tem o mérito de ser 'deseducado', isto é, sem o gosto pelo equilíbrio ou mesmo pela desordem arrumadinha incutida pelas nossas escolas. Cada unidade vai se juntando com a outra num todo aleatório, de ritmo sincopado, cuja sequência nos é impossível apreender de bate-pronto".
Com isso, a monotonia tanto da arquitetura modernista em sua racionalidade exacerbada, caso de Brasília, quanto do olhar viciado do transeunte são subvertidos. O espectador é surpreendido pelas padronagens combinadas a esmo, o que rompe a harmonia esperada pela visão, acostumada a ordenar aquilo que capta. "O efeito de pulsação, reflexo da retina saturada por parte daquele que experimenta a obra, pode ser obtido tanto por formas fechadas, polígonos complexos e coloridos que disputam sua presença com o branco do azulejo, polígonos que têm a densidade e a concisão de uma letra ou de um logotipo, como por formas lineares, circulares ou estriadas, linhas que sangram para os limites do quadrado, insinuando-se para além deles. Em todos os casos, o artista pode adicionar o uso da cor, um uso pródigo da cor (...)."
Paradoxalmente, esse jogo intrincado que invade o dia a dia graças à sua existência em meio às cidades, que surpreende e subverte o olhar, está de tal forma ao alcance de todos, como obra disponível à fruição constante e democrática, que por isso é assimilado com intimidade pelo público, muitas vezes desavisado de sua relevância. "Embora invariavelmente de grandes dimensões, muitas das obras de Athos Bulcão, pela sua proximidade da arquitetura e da cidade, pela familiaridade imposta pelo contato cotidiano, terminam por eclipsar sua condição excepcional, sua natureza de um pensamento plástico refinado".
Dessa forma, "Athos Bulcão obtém, na sua já longa e prolífica carreira, o que poucos artistas sonham obter: que a sua obra já não mais lhe pertença. (...) Sua obra caminha para o anonimato para integrar o imaginário, para se converter em fonte de expressão de um povo, do povo que Athos Bulcão ama e a cujo bem-estar vem se dedicando ao longo de sua vida". Com a reedição dessas obras icônicas, a Galeria Nara Roesler vem garantir que, para além da incorporação de seu trabalho como parte do espírito nacional, Athos Bulcão seja reconhecido como o artista fundamental que é na história da arte do Brasil e exterior.