Abraham Palatnik dispensa apresentações. Pioneiro da abstração geométrica e da arte cinética no Brasil, o artista tem sua produção recente de pinturas e relevos das séries W e Relevo Progessivo, vista em perspectiva com obras suas e de artistas correlatos de seu tempo, como Amir Mavignier, Julio Le Parc e Ivan Serpa. É a mostra Abraham Palatnik, com curadoria de Fernando Cocchiarale, que a Galeria Nara Roesler apresenta entre 01 de agosto e 26 de setembro em sua sede paulistana.
Cocchiarale partiu da premissa definida por Giulio Carlo Argan e Maurizio Fagiolo no Guia de História da Arte: “ Em todas as épocas históricas o juízo de valor sobre as obras de arte foi formulado mais ou menos explicitamente, mas em cada época foi formulado segundo parâmetros diversos. (...) Para a nossa cultura, que se baseia na ciência e considera a história a ciência que estuda as ações humanas, o parâmetro de juízo é a história. Uma obra é vista como obra de arte quando têm importância na história da arte e contribuiu para a formação e desenvolvimento de uma cultura artística. Enfim: o juízo que reconhece a qualidade artística de uma obra, dela reconhece ao mesmo tempo sua historicidade.”
Ou seja, perceber a qualidade artística de Palatnik é observar os processos que levaram sua obra ao reconhecimento dentro de sua época, permitindo que hoje ela seja incontestavelmente considerada de fundamental importância dentro da trajetória da arte no Brasil e no mundo. Nas palavras de Cocchiarale, "a importância de Abraham Palatnik (e a de outros artistas Abstrato-concretos brasileiros que, como ele, surgiram no pós-guerra) funda-se precisamente em sua inegável contribuição “para a formação e desenvolvimento de uma cultura artística” brasileira efetivamente moderna. Tal virada não figurativa, vital para parte dos desdobramentos futuros da produção visual brasileira, tornou-se um divisor histórico entre o modernismo figurativo da primeira metade do século XIX e a ruptura representada pelo surgimento e consolidação da arte abstrata e concreta entre 1948 e a década de 1960".
Dois aspectos da produção de Palatnik são a chave para essa compreensão: o pioneirismo na opção pela abstração geométrica, que deu início ao concretismo; e a pesquisa cinética que o colocou na linha de frente dessa vertente não só em termos regionais, mas internacionais.
A escolha pela geometria aconteceu pela apropriação por parte de Palatnik e de alguns de seus contemporâneos, como Ivan Serpa e Mavignier, das teorias de Mario Pedrosa que incorporavam ideias da Gestalt, ou a psicologia da forma alemã. Para ela, os conteúdos expressos na obra de arte não derivavam da similaridade da forma com os contornos da natureza, como no figurativismo, mas eram fruto da forma em si. Esse foi o pontapé inicial para aquele que se tornaria um dos maiores referenciais da arte brasileira no mundo todo, o concretismo, do qual Palatnik tomou parte desde seu início. As obras de Ivan Serpa e Amir Mavignier formam uma ideia mais ampla do panorama concretista em que Palatnik estava inserido.
Por sua formação híbrida em arte e engenharia mecânica, Palatnik foi capaz de vislumbrar o que era então inexistente na arte nacional: a capacidade estética de máquinas e aparatos desenvolvidos por suas próprias mãos, como os Objetos Cinéticos e os Aparelhos Cinecromáticos, uma forma de transgredir o componente industrial, conferindo-lhe uma característica lúdica, poética. Julio Le Parc faz par com Palatnik no uso do movimento na arte e está na mostra com o trabalho Continuel-lumière avec 36 cylindres.
As pinturas e os relevos atuais de Palatnik atingem uma delicadeza formal que incorpora à forma mais que a noção do movimento, mas sua sensação. Nas pinturas, a divisão da tela em estreitas seções longitudinais de contornos sinuosos pintadas em alternância de tons, seguindo regras matemáticas, garantem o efeito de fluidez, como se o próprio suporte estivesse moldado e em movimento. Nos relevos feitos em papel branco, o efeito de leveza é obtido pela sobreposição de figuras geométricas que, projetando suas sombras no suporte, parecem flutuar em direção ao espectador.
Assim, como o curador define, "ainda que a exposição tenha por foco as pinturas mais recentes de Palatnik, (previstas para grande sala do lado esquerdo da Galeria), a mostra pretende trazer para as duas salas que antecedem à sala obras de outros artistas do período em que a produção de Abraham floresceu tanto na abstração quanto no cinetismo. Tal configuração espacial tem por objetivo contextualizar o pioneirismo de sua obra nas duas primeiras salas, em que a obra inicial de Palatnik é apresentada com a de outros artistas que, com ele, foram também pioneiros da arte abstrata no Brasil e da arte cinética internacional."
"Não pretende (nem poderia) devido à sua escala e concisão ser uma mostra histórica mas uma exposição que possua elementos mínimos para o estabelecimento da contribuição histórica desse grande artista". Assim, a Galeria Nara Roesler segue com a realização de mostras que complementam a formação de história da arte de seu público, como por exemplo Artist Book and Films 1970-2013, que trouxe no ano passado oscadernos de artista e filmes de Paulo Bruscky, e a mostra de painéis de azulejo de Athos Bulcão, exibidos pela primeira vez em uma galeria no mês passado.