Pernambuco, com sua história, cultura, gente, belezas e contradições, está imbricado na obra de Jonathas de Andrade. Foi nessa terra, onde está radicado há duas décadas, que o alagoano se fez artista e desenvolveu um projeto criativo reconhecido nacional e internacionalmente; e é para onde retornam algumas de suas obras mais emblemáticas, muitas inéditas no estado, em celebração aos seus 15 anos de carreira. Com curadoria de Moacir dos Anjos, Na Cidade da Ressaca ocupa o MAMAM - Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães, entre 23 de março e 18 de junho, oferecendo ao público um panorama pujante da poética de Jonathas de Andrade.
Aversa a categorizações, a obra de Jonathas de Andrade é plural e prolífica, tanto em relação aos suportes utilizados quanto às temáticas. Algumas características, contudo, pulsam de forma mais proeminente e são evidenciadas nos eixos escolhidos pela curadoria nesta exposição: a ligação com Pernambuco (o clima histórico, político e afetivo do território), o poder transformador da educação, a pulsão erótica e a insurreição contra o status quo. A mostra ocupa os três andares do MAMAM e propõe uma jornada por esse universo criativo, através de trabalhos produzidos ao longo dos últimos 15 anos e agrupados a partir de afinidades temáticas.
Trabalhos em vídeo, fotografia e instalação convidam o visitante a trabalhar com vários sentidos, através de uma expografia que se constrói, também, a partir de uma sensualidade que emerge da mistura, do encontro dos diferentes. Do coletivo ao íntimo, há caminhos diversos a serem explorados na exposição. Logo na entrada do museu, por exemplo, no lado da Rua da Aurora, o vídeo de O Levante (2012-2014), com imagens de uma corrida de cavalos organizada pelo artista no centro do Recife, promove uma espécie de “entrada” na cidade, ou melhor, de localização no território, ideia complementada pela presença das obras Ressaca Tropical (2009) e Recenseamento moral da cidade do Recife (2008), obras da fase inicial do artista.
Esse movimento fluído entre o público e o privado vai se desenhando ao longo dos andares do museu, com obras que repensam a ideia de pertencimento, do que é o Nordeste e o que ele evoca. São temas pulsantes em trabalhos como Museu do Homem do Nordeste (2013), um questionamento da idealização da memória colonial perpetuada pela coleção da instituição homônima, criada em 1979 por Gilberto Freyre; e Nostalgia, sentimento de classe (2012). A ideia de insurreição e luta se manifesta também nas séries Educação para Adultos (2010) e ABC da Cana (2014), que, a partir do pensamento de Paulo Freire, entendem a emancipação do sujeito através da educação como um ato revolucionário.
Também presente na exposição está Olho da Rua (2022), vídeo que conta com a participação de 100 pessoas em situação de rua e de vulnerabilidade social ligadas a abrigos públicos e iniciativas não governamentais, como o Movimento População de Rua de Pernambuco. Gravado durante dois dias na Praça do Hipódromo, no Recife, o filme propõe exercícios do olhar, a partir do protagonismo de seu elenco, com ações como olhar-se no espelho, improvisar uma assembleia e promover uma festa coletiva no espaço público.
Com forte interesse por processos colaborativos e as questões de autorrepresentação, Jonathas desenvolveu junto às integrantes do Teatro das Heroínas de Tejucupapo, de Goiana, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, que há 30 anos encenam a famosa batalha que resultou na derrota dos holandeses, no século 17, a partir dos esforços e organização das mulheres locais. A permanência do episódio no imaginário pernambucano enquanto símbolo de força e resistência, mantém-se não só através da história oficial, mas também pelo engajamento das moradoras locais e sua relação com a arte, elementos que fomentaram os projetos Teatro das Heroínas de Tejucupapo e A Batalha de Todo Dia de Tejucupapo (2022), também presentes na exposição.
O desejo, o erotismo - e o homoerotismo, mais especificamente, se apresentam como chaves para entender, também, a potência dos afetos e do corpo, a exemplo das esculturas de barro queimado, vestidas com sungas, de Achados e Perdidos (2020). O que se reflete, também, no olhar de Jonathas de Andrade para a intimidade, como nas obras Amor e Felicidade no Casamento (2008), que marcou sua estreia artística, e 2 em 1 (2010), que, cada uma à sua maneira, discutem as dinâmicas das relações, os esforços conjuntos, aproximações e distanciamentos que a vida a dois implica. Entre a ficção e o documental, o artista tensiona o olhar do espectador e lança indagações, mais do que afirmações. Quer a dialética, não a catequese. O jogo se completa com o outro.
A exposição conta com incentivo do Funcultura, Fundarpe/Secretaria de Cultura e Governo do Estado de Pernambuco, e apoio da Galeria Nara Roesler e do MAMAM - Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães.