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Galeria Nara Roesler | Nova York tem o prazer de inaugurar seu programa de exposições de 2020 com a coletiva Arqueologias da selfie, curada por Luis Pérez-Oramas. A mostra tece comentários sobre o fenômeno contemporâneo da produção e disseminação em massa de imagens, cuja síntese se faz evidente no gênero fotográfico da selfie. De saída, Luis Pérez-Oramas contextualiza a selfie a partir de duas ideias convergentes: a teoria de Pierre Bourdieu de Arte média e a autocracia narcísica do indivíduo. Baseando-se na abordagem de Bourdieu, Pérez-Oramas coloca a selfie como sintoma do uso social da fotografia pelo qual todos nos tornamos fotógrafos, justamente em função do acesso ampliado aos dispositivos que produzem imagens cada vez mais perfeitas e com maior facilidade. Simultaneamente, para a autocracia narcísica individual, o uso social da fotografia funciona como meio de autorrepresentação (podendo ser realista ou fantasiosa), ou como marco da existência do eu.

 

Por essa perspectiva, pode-se estabelecer uma arqueologia da selfie a partir da primeira delas: o reflexo sedutor e fatal de Narciso. Arqueologias da selfie emerge dessa archè, não como uma exposição de fotografias ou de selfies mas, sim, como comentário curatorial sobre a dialética entre a autorrepresentação e a obliteração da imagem. Nas palavras de Pérez-Oramas, a mostra é um exercício de “desconstrução da selfie pelo reencontro com a lentidão das imagens”.

 

As peças principais, ou ancoragens históricas, de Arqueologias da selfie são duas pinturas: Sun Photo as Self-Portrait (1968), de Antonio Dias – pois, no fundo, todas as selfies são autorretratos –, e Sem título (1961), de Tomie Ohtake, pintada enquanto a artista usava uma venda e que, mesmo sendo explicitamente autorreferencial em sua feitura, resulta em uma imagem obliterada. Esses marcadores são expostos junto a trabalhos de Milton Machado, Cao Guimarães, Paulo Bruscky, Wesley Duke Lee, Vicente de Mello, André Severo e Vasco Szinetar. Cada um deles explora, a seu modo, seja em sua execução, técnica ou imaginário, os diferentes modos pelos quais o eu foi retratado, referenciado, imaginado, suprimido ou desafiado ao longo do tempo. Arqueologias da selfie apresenta obras provenientes de um tema constante em nossa cultura: a retórica sobre o eu, atualmente revigorado pela natureza da produção contemporânea de imagens, conduzindo a selfie para o interior da narrativa histórica da arte que acompanha esse fenômeno social, antropológico e psicológico.