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Dark paradise é uma exposição de fotografias, vídeos, pinturas e colagens de artistas consagrados e emergentes que exemplifica o discurso e a narrativa contemporânea através do cânone do imaginário paisagístico. Alguns artistas se envolvem fisicamente com a paisagem, enquanto outros a capturam com traços poéticos – e, apenas à primeira vista, obscuros –, a partir de pontos de vista fictícios, interiores ou políticos, e locais carregados de conotação histórica.

A exposição, originalmente criada para a Clocktower Gallery de Nova Iorque, surgiu de um fascínio pela identificação da tradição da paisagem sublime em imagens contemporâneas, um gênero vigorosamente desenvolvido na pintura no final do século XVIII por mestres como Caspar David Friedrich, que uniam o sublime ao assombro e ao temor perante a natureza, e da busca por essas emoções em imagens mais íntimas, locais e poéticas, criadas por artistas que trabalham com mídias variadas. Muitas das obras presentes na exposição incluem figuras humanas e, independentemente de sua escala, evocam a sensação da presença indefinida do passado ou de um mundo a ser descoberto. A representação humana nas obras escolhidas é, em sua maior parte, de natureza mais sombria, indicando um quê de temor e combate pessoal ou social. 

As fotografias de grande formato da artista radicada em Nova Iorque Zipora Fried assemelham-se a pinturas e constituem uma obra recente, criada a partir da combinação de fotos e camadas de cores pintadas à mão. Representando paisagens fictícias, são interpretações contemporâneas do gênero da paisagem histórica sublime e vibram com seu próprio potencial: o sonho e o terror de um território extenso e desconhecido, no qual tudo é possível, ou a sensação de uma presença divina podem ser sentidos nos raios de luz que surgem por trás das nuvens. 

A fotografia em painéis múltiplos em grande escala do carioca Marcos Chaves retrata a mata próxima à residência do artista, no Rio de Janeiro, onde ele caminha semanalmente desde sua infância. A Pedra da Gávea – que aparece em primeiro plano quando o painel do meio é erguido – é uma rocha em meio à mata, e também a origem de muitas lendas locais. Seja a Pedra a gigantesca escultura de um velho, ou marcada por inscrições fenícias, como reza a lenda, hoje sua imagem também é uma reflexão sobre a paisagem da cidade paradisíaca icônica que está no centro de uma tempestade de gentrificação, em meio aos preparativos para sediar os grandes eventos esportivos que se aproximam. 

Uma seleção de fotografias de Patti Smith marca a primeira exposição da obra visual da artista no Brasil, incluindo um conjunto de imagens inéditas, registradas durante uma viagem à Guiana Francesa em 1981, que retratam as ruínas de prisões e edifícios militares construídos pelos líderes da ocupação. Com o tempo, as construções foram tomadas pela selva, mas as imagens ainda refletem os vestígios de seu passado (colonial), fotografados por Smith no estilo poético e frequentemente melancólico que é sua marca registrada, como se pode ver na interação entre a densidade das folhas e a aparição da luz. O passado entra em cena ainda mais enfaticamente nas demais imagens da exposição. Este conjunto de fotografias foi tirado em ambientes rurais onde as paisagens, vistas pelos olhos da artista, são carregadas de memórias de artistas de outros tempos – entre eles Virginia Woolf e Arthur Rimbaud – e prestam uma homenagem intimista às almas artísticas que inspiraram Smith ao longo de sua própria carreira. 

No vídeo Merlo, realizado por Joan Jonas no início de sua carreira, a artista aparece sozinha em diferentes locações dramáticas ao ar livre: uma ravina rochosa, um rio durante uma ventania, uma varanda com vista para um vale. Vestida em um robe escuro com capuz, Jonas usa um longo cone de papel como megafone, entoando melodias e uivando para a paisagem como um animal. A imagem do cone e as melodias cantadas por Jonas são motivos recorrentes em sua obra, e sua utilização aqui pode ser interpretada levando-se em consideração que “merlo”, em italiano, é “melro”.

Paraíso sombrio é um tema particularmente adequado para uma projeção em vídeo do artista radicado em São Paulo Thiago Rocha Pitta. Em O cúmplice secreto, que se passa no mar próximo ao Rio de Janeiro, o espectador parece estar em pé num barco flutuando na água enquanto um objeto não identificado se aproxima lentamente entre as ondas. A obra baseia-se na famosa passagem de Vinte Mil Léguas Submarinas, de Júlio Verne – em que uma expedição se depara pela primeira vez com a criatura que caçava e descobre tratar-se, na verdade, do submarino Nautilus, do Capitão Nemo –, e faz com que a percepção do espectador passe de um cenário tropical idílico para um visual cada vez mais estranho. A apreensão cresce uma vez que nunca se descobre o que de fato se aproxima do barco.

O influente vídeo Pine Barrens, realizado por Nancy Holt em 1975, foi filmado na árida região centro-sul de Nova Jersey. O filme registra a paisagem arenosa da região e capta os sentimentos e mitos da população local. O mais famoso deles diz respeito a uma criatura conhecida como The Jersey Devil (O demônio de Jersey), um ser tradicionalmente descrito como dotado de cascos – suas pegadas podem ser vistas em uma das imagens –, que seria o décimo terceiro filho gerado por sua mãe, supostamente nascido no século XVIII. O vídeo mostra árvores solitárias num cenário desolado e os vestígios deixados por Holt enquanto caminha pelas dunas.

Chernobyl Project, de Alice Miceli, apresenta uma série de imagens radiográficas da Zona de Exclusão de Chernobyl, retratando as regiões mais afetadas pelo acidente no lado bielorrusso da fronteira: imagens que são impressas pela própria radiação invisível que contamina a área desde o desastre de 1986. O resultado são impressões fantasmagóricas de um lugar abandonado – uma utopia tecnológica que deu errado –, porém cheio de uma matéria invisível, aparente nos rastros de destruição que deixa para trás. 

Arid (1969) e O bordo da noite (1970), duas pinturas do famoso artista brasileiro Antonio Dias, são estudos individuais para a série de pinturas Project for an Artistic Attitude (1970), criada pelo artista enquanto residia na Itália. Este período marca uma mudança radical na obra de Dias, quando se voltou para uma abordagem conceitual da pintura: aqui, o artista pensa a pintura como um deserto, um terreno vazio capaz de absorção total. 

As colagens íntimas em pequena escala e os desenhos do recluso artista irlandês Alex Rose são, em sua maioria, criados a partir de imagens encontradas, e Rose descreve os atos de coletar, reunir e revelar pela destruição como partes importantes de seu processo. As imagens impressionantes talvez advenham da ideia de se remover uma parte “ruim”; uma metáfora para a tentativa de proteger as crianças de uma presença humana destrutiva e de restaurar a dignidade a uma paisagem interior de inocência, que o próprio artista perdeu cedo demais em sua vida. 

O pintor, fotógrafo, cineasta, escritor e ativista David Wojnarowicz foi uma figura de destaque na arte nova-iorquina no final da década de 1970 e década de 1980, cujo trabalho está sendo apresentado pela primeira vez no Brasil. A exposição inclui o curta-metragem mudo A Fire in My Belly, um dos trabalhos em vídeo mais famosos do artista: filmado em Super 8, o filme mescla cenas de ruas no México, e temas e símbolos recorrentes em sua obra, como formigas, agressão, crânios de animais e religião. Também será apresentada uma seleção dos famosos retratos de homens usando uma máscara de Arthur Rimbaud, tendo a distopia do centro mais pobre da cidade como pano de fundo histórico; uma Nova Iorque falida, esgotada e perigosa, reconquistada como área de recreação para os artistas de sua geração. Um exemplo mais explícito do ativismo de Wojnarowicz pode ser visto em Sem título (Entre C & D), uma campanha de cartazes contra o bullying contra homossexuais lançada pelo artista – um ponto sombrio no que, em certa época, devia parecer um paraíso da diversidade.