É preciso admitir a falência: não reconheço o passado e não acredito no futuro. Mas meus pés têm pressa porque errando eu aprendo mais.
Essas duas frases aparecem no final de “Doom”, vídeo de Randolpho Lamonier e Victor Galvão presente nesta exposição. Sua escrita me chama a atenção pela forma como articulam passado, presente e futuro: não reconhecer o passado não quer dizer ignorá-lo, assim como não acreditar no futuro, não nega que algo está por vir. Na desconfiança entre esses dois extremos, mais vale admitirmos nossa ansiedade e apostar no presente e nos nossos erros.
“Sobre os ombros de gigantes” reúne trabalhos de artistas que criam sobreposições dos tempos históricos cristalizados pelo pensamento ocidental; diferentes da citação acima, alguns dos autores aqui reunidos reconhecem facilmente o passado e/ou depositam a sua crença no futuro. O que une todos é o fato de que as imagens que criaram flertam com a anacronia; a memória individual e coletiva pode se dar a partir de saltos, recordações e esquecimentos.
A máxima latina "nanos gigantum humeris insidentes", comumente atribuída ao nascimento das catedrais e das universidades na Idade Média, aponta para o fato de que, para aprendermos algo no presente, precisamos nos colocar em diálogo e escuta com o passado e com os "gigantes" que nos rodeiam. Alguns desses artistas trabalham a partir da noção de arquivo, elencando e repensando pessoas presentes na memória coletiva e vistas como ídolos. Por outro lado, há também aqueles que, uma vez sentados no ombro do gigante, se questionam: até que ponto essa figura deveria ser encarada publicamente enquanto tal? Quando o assunto é o antifascismo, degolar o gigante deve ser uma opção.
Outros dos artistas aqui reunidos lançam seus olhares a protagonistas de narrativas que se dão em uma esfera privada: as narrativas familiares e ancestrais são percebidas como faróis do aprendizado. A educação, a oralidade e a transmissão de conhecimento entre gerações são centrais em muitos trabalhos que valorizam pessoas anônimas do grande público, mas cujos nomes próprios podem ser muito mais importantes do que qualquer referência bibliográfica. Esses gigantes – por vezes superficialmente enxergados como periféricos e subalternizados – são aqueles que efetivamente guiam grande parcela dos artistas aqui reunidos.
Seja pela pintura, pela utilização de imagens de arquivo, pelo vídeo ou pela exploração das relações entre imagem e palavra, lembremos do que a nossa citação inicial dizia: “errando eu aprendo mais”; em outras palavras, a experimentação é o que guia a maneira como cada um desses artistas elege seus gigantes e se senta sobre os seus ombros. Seus percursos nunca estão pré-definidos e suas viagens de diferentes ritmos são mais de escuta do que de verborragia.
Fica o convite, portanto, para que o público possa compartilhar da efeméride que é essa exposição enquanto os artistas fazem pequenas pausas em suas constantes viagens acima do chão e para além dos limites entre ontem, hoje e amanhã.
—Raphael Fonseca, curador
artistas participantes
alan adi
gabi bresola
gustavo caboco
leila danziger
victor galvão
andré griffo
andréa hygino
randolpho lamonier
filipe lippe
adriano machado
no martins
virginia de medeiros
marta neves
amador e jr. segurança patrimonial