A Nara Roesler Rio de Janeiro tem o prazer de apresentar Entre o Mar, o Rio e a Pedra, primeira individual do artista pernambucano Marcelo Silveira no Rio de Janeiro, acompanhada de texto crítico de Daniela Name. O artista, cuja trajetória já tem mais de 40 anos, reúne em sua mostra tanto criações mais recentes quanto trabalhos históricos, trazendo assim um panorama mais amplo de sua carreira.
Um dos materiais mais empregados por Silveira em seus trabalhos é a madeira da cajacatinga, árvore oriunda da Mata Atlântica cujo produto foi amplamente utilizado nos engenhos de açúcar da mata Sul de Pernambuco, devido à sua resistência à água, à umidade, além de resistir também ao fogo. As plantações de cana e os engenhos deram depois lugar a pastos, restando da árvore apenas seus tocos. Foi dessa forma que o artista tomou contato com a madeira. Na mostra em questão, esse material serve de base para trabalhos da série Peles, Bolofote e Sementes. Enquanto Peles é uma sequência de trabalhos mais conhecida do artista, Bolofote e Sementes são desdobramentos mais recentes de sua produção utilizando a madeira cajacatinga.
Bolofote faz referência a uma expressão muito usada em Pernambuco, estado natal de Silveira, para se referir a algo disforme. Ainda que feitas de madeira, sua volumetria tem aparência fluída e mole: “Trata-se de uma prática de organização do espaço, de sair construindo. Faço muito desgaste na madeira, e nessa série, pela primeira vez , vou acrescentando e desgastando”.
Sementes, por sua vez, consiste em pequenas partes de madeira cajacatinga que se assemelham a sementes e que são agrupados em um volume único. Esta série “é fruto de experimentos que fiz com pedaços de sobras de madeira. A primeira semente foi resultado da junção de coisas que estavam esquecidas. Na segunda acrescentei mais alguma coisa, e a terceira foi toda nova. Dá um trabalho infernal fazer”, comenta o artista. “A semente é a origem, é quem responde pela multiplicação da espécie. É o brotar, é quando se volta para a origem, e toda hora estou voltando, para tela, para as pesquisas sobre as sementes da madeira que usei muitos anos. Uso as raízes, as sobras, e quero que essas árvores voltem a existir, que eu possa encontrar essas árvores com maior freqüência, mais regularidade. As sementes estão na minha cabeça” conclui.
Outra série presente na mostra é Hotel Solidão, desenvolvida a partir de uma coleção de edições brasileiras, de 1947 a 1955, da revista Grande Hotel. Silveira faz uso das capas e contracapas do periódico, doando seu miolo para outros artistas. As imagens, produzidas por ilustradores italianos, são cuidadosamente selecionadas, higienizadas, cortadas e então coladas sobre papel cartão, em diversas composições que chamam a atenção pelas suas cores peculiares e pela fisicalidade do trabalho, que destaca as diversas camadas de papel ali organizadas.
As chamadas Cabeludas consistem em um conjunto de trabalhos que Silveira começou a desenvolver no ano de 2006. Tratam-se de estruturas suspensas de aço inoxidável, compostas por couro bovino e crinas de cavalos. Estas últimas, por sua vez, são coletadas a partir das “podas” dos cavalos, processo que se assemelha muito à confecção de perucas. Os fios coletados são selecionados, higienizados, alinhados por tamanho, organizados, e alguns são ainda tingidos. “A discussão dos meus trabalhos sempre tem a ver com os planos bidimensional e tridimensional, com as questões relativas à pintura e à escultura no espaço, e esta série fala muito de pintura”, diz Marcelo Silveira. Outra característica das Cabeludas que acentuam seu caráter pictórico é a relação com os pinceis feitos de crina de cavalo, e os tons em degradê dos fios. “Elas surgem da tentativa de organizar, retomar, trabalhos antigos, essas coisas todas voltam”, explica o artista.
Desse modo, Entre o Mar, o Rio e a Pedra, reúne trabalhos nos quais Marcelo Silveira recorre a um repertório de materiais característicos do contexto brasileiro, e por meio de procedimentos artesanais, explora materialidades, desloca contextos e tensiona a percepção do espectador.