A Nara Roesler Nova York tem o prazer de apresentar On Blindness, exposição coletiva com curadoria de Mateus Nunes que explora o fenômeno da cegueira como catalisador poético na produção de um amplo conjunto de artistas de diferentes gerações e origens. O conceito da exposição surge da intersecção entre a literatura e a biografia de Jorge Luis Borges (1899–1986), escritor argentino que viveu as três últimas décadas de sua vida na cegueira. Através de diversas mídias – incluindo pintura, escultura, desenho, fotografia e vídeo –, as obras exploram as possibilidades da experiência artística e poética para além da visão, através da visão obscura, excedida, metafísica, tátil, mínima, etc.
On Blindness reúne trabalhos históricos de artistas como Agnes Martin, Armando Reverón, Robert Mapplethorpe, Antonio Dias, Mira Schendel, Milton Resnick, Tomie Ohtake, Brígida Baltar e Leonilson; obras de artistas consagrados, como Carlito Carvalhosa, Fernanda Gomes, Paulo Monteiro, Jac Leirner, Danh Vō, Solange Pessoa e Bernardo Ortiz; e vozes emergentes como Paula Siebra, Juliana Frontin, Bem K. Voss, João Trevisan e Thiago Hattnher.
Desviando-se na experiência da cegueira biológica, embora concentre-se na obra literária e na vida de Jorge Luis Borges, a exposição se concentra na hipótese de uma cegueira poética, presente, por exemplo, nos trabalhos da fase branca do venezuelano Armando Reverón (1889–1954), na qual o artista sintetizou a representação da luz, beirando o monocromático, com predominância do branco. “Ele produziu essas paisagens brancas que, ao mesmo tempo, apontam para uma fruição da luz a pino muito próxima ao Equador, mas que também negociam com a plataforma da pintura, da tela crua como imagem, em uma relação entre áreas pintadas e não pintadas”, comenta o curador.
A luz e a presença do suporte em branco como o próprio corpo do trabalho, também está presente na obra Sem título (2022) de Fernanda Gomes (1960), que apresenta duas telas quadradas em dois tons ligeiramente diferentes de linho cru, justapostas, sobre as quais incide um quadrado de projeção de luz, fazendo surgir ali um terceiro quadrado que une os dois debaixo. De modo oposto, com muita carga matérica cobrindo totalmente a tela de grandes dimensões, Last Elephant (1979) do estadunidense Milton Resnick, expoente do expressionismo abstrato, apresenta uma pintura obscura, onde os tons de preto que a compõem variam em um ruído óptico.
De acordo com Nunes, a cegueira pode ser vista como uma ferramenta conceitual relevante no contexto da modernidade latino-americana, contribuindo para a dissolução de categorias eurocêntricas na arte. O ato de não ver, ou não distinguir com definição, segundo o curador, guarda profunda relação, por exemplo, com o exercício da imaginação, componente fundamental para o desenvolvimento do realismo mágico latino-americano, movimento literário que surgiu na América Latina no século XX, caracterizada por incorporar elementos fantásticos e fabulados em um contexto realista e que tem Borges, que ficou cego, como um de seus principais representantes. No universo da cegueira, há vetores ambíguos de imaginação (entendendo “imaginar” como “propor imagem”): enquanto a pessoa cega imagina o que vê a pessoa não-cega, o inverso acontece. A imaginação, portanto, centra-se na possibilidade de formação de imagens além da visualidade.
A cegueira poética, por sua vez, está presente também em um dos destaques da mostra: uma fotografia de Robert Mapplethorpe (1946–1989) retrata a pintora Alice Neel (1900–1984) de olhos fechados. “Esse trabalho é um dos pontos de abertura da exposição, pois mostra uma pintora que muito viu e que muito produziu imagens, agora de olhos fechados, em um momento temporário e espontâneo de cegueira. Me interessa esse labirinto de ambiguidades. A imagem retrata alguém que produz imagens e é uma imagem feita também por um produtor de imagens”, conta o curador.
A noção de imaginar ou propor formas outras de visibilidade é um dos temas centrais da exposição. A artista nipo-brasileira Tomie Ohtake (1913–2015), por exemplo, também se vale de uma cegueira não patológica e temporária para realizar os trabalhos que ficaram conhecidos como “pinturas cegas”. Nestas obras, produzidas entre 1959 e 1962, Ohtake trabalhava com os olhos vendados, buscando ajustar seu olhar ao ponto cego para imergir na experiência de pintar.
Já as esculturas apresentadas do brasileiro Paulo Monteiro (1961), em bronze e pintadas com tinta a óleo branco, são exemplares do que o curador se refere como uma "visibilidade tátil”, apresentando as marcas dos dedos e da mão do artista que pressionam o sólido de argila que serviu como molde para a escultura em bronze. Enquanto isso, os trabalhos da pintora canadense Agnes Martin (1912–2004) questionam a associação automática da divisão de um plano por linhas horizontais com representações de paisagens encaminhando-se para uma imagem introspectiva. Trabalhos como os da série Objetos gráficos da suíça-brasileira Mira Schendel (1919–1988) e as pinturas em preto-e-branco do brasileiro Antonio Dias (1944–2018) contribuem para construir uma relação entre cegueira e linguagem, mostrando que ambas podem coabitar o mesmo limiar incerto.