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Em Jonathas de Andrade: Permanência Relâmpago, primeira exposição de Jonathas de Andrade (n. 1982, Maceió, Brasil) na galeria Nara Roesler São Paulo, o artista apresenta um novo corpo de trabalho com obras totalmente inéditas em torno dos jangadeiros e canoeiros de Alagoas – sujeitos que fazem sua vida e trabalho através do mar do litoral e do Rio São Francisco, no sertão – e a relação com cores e abstração presentes nas velas e barcos. 

Com curadoria de José Esparza Chong Cuy, diretor-executivo e curador-chefe da Storefront for Art and Architecture, em Nova York, Permanência Relâmpago abrange três conjuntos de obras dentro deste universo a que Jonathas de Andrade vem se dedicando nos últimos meses. Entre eles, estão trabalhos da pesquisa em andamento do artista para um comissionamento feito pelo Victoria and Albert Museum, em Londres,  a convite de Catherine Troiano, curadora do departamento de fotografia da instituição. Em novembro de 2025, as obras produzidas por Jonathas de Andrade nesta pesquisa serão exibidas no V&A, quando passarão a integrar a coleção do Museu. 

O título da mostra se refere ao nome de uma das jangadas fotografadas pelo artista, e que traduz poéticamente aspectos das vidas dos jangadeiros e canoeiros e que também toca nossas vidas de modo geral. “Esse título fala sobre algo que é muito fugaz e ao mesmo tempo permanente, que é a vida, é sobre esse estar muito rápido e ao mesmo tempo muito permanente. ‘Permanência relâmpago’ é também tocar de alguma forma os sentimentos abstratos da vida”, conta Jonathas de Andrade.

Em sua trajetória, Jonathas de Andrade vem questionando os sistemas em transformação que moldam identidade, trabalho e memória. Suas instalações, filmes e obras conceituais atuam como arquivos vivos, reativando histórias orais, saberes marginalizados e tradições artesanais. Nas obras que integram Permanência Relâmpago, o artista se debruça sobre  duas culturas de navegação presentes no Nordeste brasileiro: os jangadeiros da praia de Pajuçara, em Maceió, que navegam em jangadas de madeira e velas tradicionais, levando turistas às piscinas naturais, e os canoeiros do Rio São Francisco, no sertão de Alagoas, que usam  canoas de velas quadradas duplas de grande escala, notavelmente gráficas para um circuito de competições sobre o rio, de forma recreativa e esportiva.  Ambas manifestações representam culturas náuticas seculares transmitidas de pai para filho, praticadas por comunidades de pescadores e barqueiros, revelando um jogo cultural que tensiona intimamente tradição, patrimônio, turismo e economia.

A exposição terá três eixos de trabalhos. Na série Jangadeiros Alagoanos, Jonathas de Andrade usa como suporte as velas originais das jangadas marítimas, usadas na praia de Pajuçara, em Maceió, marcadas pelo sol e pelo uso. A cada estação, elas são substituídas por outras novas. O artista passou então a coletar essas velas coloridas de grande escala descartadas, que apresentam também pinturas feitas à mão, de anúncios de marcas diversas, que funcionam como renda complementar dos jangadeiros na disputada orla da elite alagoana.

Deixando apenas rastros desses anúncios, Jonathas de Andrade aplica sobre eles serigrafias monocromáticas com os retratos dos jangadeiros e roleiros (aqueles que empurram os barcos para dentro e fora do mar), personagens fundamentais deste circuito beira-mar. Com isso, o artista busca tensionar “o lugar tradicional da publicidade que ocupa aquele espaço, substituindo-o pelos rostos dos protagonistas, muitas vezes invisibilizados”. Dessa forma, ele subverte o lugar destinado às mensagens das propagandas, que agora estampam rostos, “deixando as mensagens originais fragmentadas e desconexas”. Nas serigrafias, as imagens dos trabalhadores em retículas, só perceptíveis quando vistas de perto. 

As coloridas velas de três metros de altura cada são apresentadas em um sistema de bastidores que, ao enquadrar os retratos gravados sobre as velas, também fragmentam e inviabilizam a legibilidade das propagandas que outrora dominavam aquela superfície. O tecido da vela que resta após o enquadramento do bastidor, por sua vez, se comporta de maneira diferente a cada obra: o excesso de pano é ora recolhido atrás do bastidor, ora ganha um caráter escultórico, assumindo dobras, cordas, e volumes que podem se despejar da parede até o chão. Cada obra leva o nome do fotografado, como por exemplo na obra “Roleiro Maurício e a vela verde”.

Na segunda série que compõe a exposição, Canoeiros Neoconcretos, Jonathas de Andrade parte das velas de padrões gráficos ousados utilizados pelos canoeiros do Rio São Francisco, próximo à Ilha do Ferro, paisagem carregada de histórias de seca, migração e sobrevivência no Sertão. A série inclui os Metaesquemas-canoeiros, inspirados nos Metaesquemas de Hélio Oiticica, e outras composições baseadas no universo cromático e formal do artista carioca Ivan Serpa. As obras misturam campos de cor com a fotografia reticulada, própria da serigrafia, com a imagem do barco e seus barqueiros mergulhada em aspectos da pintura neoconcreta, unindo o design popular à abstração modernista.


Em outra série, Puro torpor do transe do sol,as velas gráficas dos barcos no Rio São Francisco inspiram composições abstratas com pintura automotiva, "dando volume escultórico e objetual aos campos de cor que atravessam o rio, na corrida das canoas e as velas gigantes", comenta o artista. As obras, em serigrafia sobre folhas de sucupira, são acompanhadas por textos poéticos, escritos pelo próprio artista, e gravados em placas de acrílico.

O terceiro eixo da exposição é a estreia do filme Jangadeiros e Canoeiros (2025, 15'), que terá uma sala especial para sua exibição. No filme, Jonathas de Andrade costura o universo e o cotidiano dos protagonistas dos dois cenários distintos – o mar e o Rio São Francisco – propondo o fio narrativo a partir da relação deles com as cores e as formas, em um diálogo entre as manifestações populares e o universo cromático e afetivo. 

O artista empenha seu particular equilíbrio entre aproximação documental e toques ficcionais, decupando o gestual e os movimentos de corpo repetidos ao longo de séculos, na medida em que inventaria as cores presentes nas jangadas e canoas bem como na vida e memórias dos protagonistas, através de trechos de falas captados em conversas com eles. Com foco nos gestos corporais e no trabalho coletivo de levar a jangada ao mar e trazê-la de volta, um ritual secular hoje entrelaçado ao turismo na disputada orla de Maceió, a obra contrasta estas cenas com as imagens idílicas frequentemente usadas para promover a região, evocando o anonimato e a resiliência das vidas moldadas pelo legado colonial brasileiro. Desta forma, o filme circunda uma espécie de paleta cromático-emocional dos jangadeiros, da orla maceioense, das canoas, das velas e dos canoeiros do sertão do Rio São Francisco. 

A trilha sonora é de Homero Basílio, profícuo percussionista e produtor musical que colaborou  em diversos filmes de Jonathas de Andrade. Vale mencionar ainda que, em 2024, Jonathas de Andrade teve seu processo artístico documentado pela realizadora Maria Augusta Ramos, que dirigiu o minidoc Northern Winds (17'), produzido pela fundação holandesa Ammodo como parte de uma série de filmes de artistas. O minidoc acompanha e registra o início da pesquisa que deu origem ao filme Jangadeiros e Canoeiros, que tem sua estreia na exposição. 

Jonathas de Andrade fez este ano duas expoosições individuais na França: Tropical Hangover and Other Stories, no Jeu de Paume, Tours, e L’art de ne pas être vorace, na Commanderie de Peyrassol. Ele é o único artista brasileiro a participar da grande mostra “30th anniversary of Museum of Contemporary Art Tokyo (MOT), em Tóquio, que abre em 22 de agosto. E em Akita, também no Japão, está em cartaz até setembro a exposição “Minebane! Contemporary Art!”, no Akita Museum of Art, com obras do artista. Em novembro, participará da coletiva no Victoria & Albert Museum, em Londres. Em dezembro, Jonathas de Andrade fará uma individual no Vaticano, dentro do Jubileu 2025. 

Enraizada no Nordeste, mas em diálogo com questões globais, a prática de Jonathas de Andrade navega pelo cruzamento entre narrativas pessoais e histórias sistêmicas, das estruturas pós-coloniais e economias regionais ao valor mutável do trabalho manual. O artista se envolve com a resistência cultural e com as práticas do fazer, confrontando tradição, resiliência em tensão com a gentrificação e o capitalismo predatório. Nesse contexto, a cultura náutica da beira mar e da beira de rio  Nordeste, o universo de barqueiros, canoeiros, roleiros e pescadores,  surge como ofício e resistência, sustentada por saberes transmitidos ao longo do tempo.