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O ambiente iluminado da Galeria Nara Roesler do Rio de Janeiro é o cenário de Afluentes, nova individual do artista paulistano Artur Lescher. Entre 18.06 e 01.08.2015, ele exibe ao público carioca sua produção recente, cuja tônica são os desdobramentos das pesquisas dos últimos dois anos, em que mescla princípios da física e da mecânica à síntese semântica das esculturas que cria. O resultado é a subversão da fixidez e do peso próprios de suas matérias-primas em favor da leveza - e de impressões poéticas.

 

Lescher se apropria de matérias-primas e procedimentos industriais para criar um universo preciso e organizado de objetos, tensionado pelo deslocamento do espectador no espaço. Sem se dar conta, o observador dispara a possibilidade de alteração da perfeição matemática e do equilíbrio das obras pelo simples deslocamento do ar, que pressupõe o movimento de pêndulos, ainda que não se concretize, e pela leitura particular do que vê. Conceitos como balanço, igualdade e proporção são libertos do uso instrumental para reencontrarem seu caráter metafísico, amplificado pela pureza formal das obras.

 

O espaço expositivo será ocupado por nove trabalhos, alguns dos quais evocam imagens líquidas, como a obra Afluentes, desdobramento de O Rio, que integra o acervo do MAM de São Paulo. Se nessa última os rolos de monotipia e offset escorrem da parede até o chão, na versão atual os rolos de papel coloridos pelo artista, em tons de azul, preto e vermelho, por meio de processo industrial permanecem contidos, formando uma constelação de círculos.

 

A Cascata de metal parece escorrer, traduzindo a ideia de sua matriz natural em uma conformação geométrica. A tensão da imagem inspiradora contra material e forma utilizados na realização da escultura evidencia o jogo proposto pelo artista, que manipula a lacuna entre significante e significado. Em outras palavras, a impossibilidade de tradução perfeita da natureza pelo código cultural ganha liberdade poética, dando aos trabalhos um sentido quase primitivo, transcendente.

 

A obra Rio de Parede, formada por 17 roldanas e uma malha de metal que pende dessas estruturas, apresenta em sua dinâmica interna o desdobramento dos trabalhos da exposição Objeto Pantográfico, apresentada em 2013. As ondulações e fluidez de um rio ganham, dessa forma, uma representação estática capaz de transmitir o movimento do original. Nas palavras do artista, o trabalho se coloca em “relação com o estado líquido das coisas”.

 

Na mostra de 2013, Artur Lescher usou como fio condutor a figura do pantógrafo, instrumento que amplia ou reduz desenhos. Formado por dois vetores verticais e dois horizontais, reproduz em maior ou menor escala a figura desejada por meio do acompanhamento mecânico da mão, que traceja a forma original para o efeito se concretizar.

 

Naquela ocasião, a crítica britânica Isobel Whitelegg escreveu sobre o sentido amplo do pantógrafo como metáfora: "Outras obras têm em comum os princípios do mecanismo de extensão e retração dessa invenção em vez de sua forma literal. Elas evocam o pantógrafo enquanto corpo mecânico capaz de avançar e recuar, de mudar o seu alcance e regular sua densidade e, assim, ser percebido como sendo mais pesado ou mais leve: expandido para abranger o espaço em sua estrutura ou compactado para excluí-lo". Essa ideia ganha outras leituras nesta nova individual no Rio de Janeiro.

 

No âmbito da leveza extraída de materiais densos, os pêndulos Ann, em azul cobalto, e Suave, em alumínio anodizado, seguem a tradição de Lescher em criar esculturas extremamente delgadas que, suspensas, dão a impressão de flutuar por força própria. Mais do que isso, criam a tensão da possibilidade de se moverem a qualquer corrente de ar ou vibração sonora, apesar de seu peso as manter quase sempre fixas.

 

Utilizando-se da luz que entra pela claraboia da pequena sala anexa para potencializar seu efeito visual, o Pivô relaciona-se com o espaço onde se insere. “As peças tiram proveito de certas situações espaciais”, diz o artista. Em metal dourado, essa obra difere dos outros pêndulos pela forma como é suspensa, por seu ponto médio. Isso lhe confere um movimento irregular, como o ponteiro desorientado de uma bússola que não se move pela imantação da terra e, portanto, deixa de servir à sua lógica funcional.

 

Essa inversão dá sequência a conceitos abordados na mostra Nostalgia do Engenheiro (México, 2014), cujo título simboliza a remissão à formulação do mundo pela construção matemática, tão cara à filosofia moderna. Nela, a condição de possibilidade da ciência está atrelada à fundamentação metafísica de seus princípios, unindo universos que parecem antípodas na contemporaneidade. Na produção de Lescher, essa articulação é primordial.

 

Em sua obra, de maneira geral, e nesta mostra especificamente, o artista não suspende só os trabalhos, seja no teto ou na parede. Fazendo a manipulação ardilosa da percepção do espectador pelo contraste entre matérias e sentidos, entre forma e matriz, Lescher parece suspender o andamento do tempo.