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A partir de 13.08.2015 Antonio Dias ganha uma revisão de uma parcela singular de sua produção multifacetada: os papéis do Nepal, que serão exibidos pela primeira vez no Brasil. A mostra Papéis do Nepal 1977-1986 fica em cartaz até 26.09.2015 na Galeria Nara Roesler em Ipanema, que traz nessa iniciativa um aprofundamento no universo do artista consagrado, possibilitando uma nova visão do conjunto de sua obra a partir desse segmento.

 

Pela pluralidade temática e processual, Dias evidencia sua recusa em adotar um único ponto de vista da produção artística e, com isso, não deixa que o espectador se acomode na facilidade de um significado pronto da obra. Nas palavras do historiador da arte italiano Sandro Sprocatti, o trabalho de Dias projeta "uma situação antiperspectiva por excelência, uma vez que nega a exclusividade de um ponto de vista não só devido à instabilidade representacional (ambiguidade substancial do signo e do espaço) mas, acima de tudo, porque implica a pluralidade das condições de fruição, ou seja, as condições existenciais que o observador tem em relação ao próximo".

 

Os papéis que figuram na exposição foram produzidos durante uma viagem de Dias ao Nepal em 1977, com a finalidade de aprender a manufatura de papéis artesanais. A fase do Nepal é uma ruptura na trajetória pregressa do artista, calcada fortemente no conceitualismo, na utilização de mídias então incipientes, como o vídeo, e na criação de um léxico visual que englobava elementos pop, planos geométricos definidos por cor e palavras.

 

Esse repertório, repetido sistematicamente e embaralhado entre si, questionava o caráter da convenção social e da instituição artística como produtora de significados codificados e estanques, validados por um sistema de inserção e representatividade internacional, a que o regional deveria se submeter - o que se tornava evidente pelos títulos em inglês das obras, como a famosa série The Illustration of Art. 

 

Muito mais do que funcionarem como suporte, os planos geométricos de papel artesanal são obras em si. Suas cores resultam da adição, durante a fabricação, de elementos naturais - como chá, terra, cinzas e curry -, incorporando o processo de produção como componente e mais um significante dos trabalhos. Realizados em conjunto com artesãos de uma fábrica de papel nepalesa, subvertem a questão da unidade autoral em sua gênese e mesmo em seus títulos, atribuídos por alguns dos trabalhadores, a exemplo de Niranjanirakhar.

 

Ou, como o próprio artista definiu em uma entrevista, "O que mais me interessa é a relação entre a produção desse trabalho e de seus produtores... Ao mesmo tempo que se empenhavam materialmente na produção, alguns deles também imprimiam uma leitura simbólica ao produto".

 

A palavra nepalesa Niranjanirakhar, que significa Nada, é uma boa síntese da ambivalência de sentidos contida nesse grupo de trabalhos. Se em sua premissa pós-conceitual e processual reiteram a necessidade de construção da significação pelo espectador, provocando a consciência e a postura ativa de quem vai além da superfície imagética dos trabalhos, trazem nesse silêncio um caráter quase místico, por sua própria materialidade imperfeita e orgânica. Além da contaminação de significação pela territorialidade, tema caro ao artista.

 

Vale citar novamente Sandro Sprocatti: "Em ambos os casos, figuras 'importadas' da atuação anterior do artista adquirem novos significados em contato com a esfera cultural que testemunhou seu nascimento. Como resultado, a peça (também entendida como trabalho) ganha uma profundidade simbólica ao mesmo tempo improvável e exata. Do mesmo modo, a sintaxe pós-conceitual das instalações encontra novas razões de pertinência no interior de uma dimensão mística que tem pouco a ver com o Ocidente e sua história."