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Barracão – Formulação da ideia de Parangolé em 1964: raiz raiz brasileira ou a fundação da raiz Brasil em oposição à folclorização desse material raiz—a folclorização nasce da camuflagem opressiva: “mostrar o que é nosso, os nossos valores...—a afluência  da arte primitiva, etc.—Parangolé se ergue desde 64 contra essa folclorização opressiva e usa o mesmo material que seria outrora folc-Brasil como estrutura  não-opressiva, como revelação de uma realidade minha-raiz… [1]

Hélio Oiticica, 1969.

 

A Galeria Nara Roesler | São Paulo tem o prazer de apresentar Barracão, a segunda individual na galeria do influente artista brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980). Com curadoria de Cesar Oiticica Filho, texto crítico de Ginevra Bria, e produzida em parceria com o o Projeto Hélio Oiticica, a exposição apresentará um aspecto específico da obra artística inovadora de Oiticica: as colaborações. As obras expostas serão Parangolé P 22  Capa 18, “Nirvana” e A Arma Fálica, ambas criadas em parceria com Antonio Manuel, INFORMATION, comLee Jaffe, e Cosmococa 2, CC2 Onobject, com Neville D’Almeida.

 

As obras que Oiticica batizou de Parangolés são parte essencial desta exposição. Ann Gallagher, diretora de coleção (british art) da Tate diz: "Em seus trabalhos, ele contestava os limites tradicionais da arte e sua relação com a vida e subvertia a separação entre o objeto-arte e o espectador, transformando este em participante ativo. Com sua série de Parangolés, Oiticica alcançou um ponto crucial na integração de cor, estrutura, tempo e espaço: banners, capas e tendas construídas de materiais variados, inclusive tecido, plástico, tapetes, telas e cordas¨[2]. Antonio Manuel travou seu primeiro contato com Hélio no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, durante a exposição Nova Objetividade Brasileira (1967). Posteriormente, Hélio convidou Antonio a expor em sua mostra Tropicália e, em 1968, criaram Parangolé P 22 Capa 18, “Nirvana” juntos, usando uma foto de jornal de uma criança magra de Biafra, na África, que Antonio utilizara anteriormente em Urnas Quentes.  O conceito do Parangolé é público, grupal. “Tem a ver com fantasia, samba, carnaval, o Parangolé sozinho não existe”, explica o curador César Oiticica Filho. “Ele tinha esse ideal de produção coletiva, democrática e teve vários parceiros nesse sentido. Tinha esse espírito”, sintetiza Antonio Manuel.  Em 1970, Antonio convidou Hélio a colaborar em sua fotonovela A Arma Fálica, a história do guru que, depois de passar vários anos em Londres, volta para sua esposa, neném, que ele deixara trancafiada enquanto estivera fora. Ao voltar, o guru encontra a esposa com paulomarginal e os dois homens brigam. A história termina quando, usando sua arma fálica, o guru mata o amante de sua esposa. Nas palavras do próprio Antonio:  ¨Na fotonovela, eu quis trabalhar com uma nova forma de expressão, criando uma obra numa parceria afetiva e com o espírito de pensar a arte. Havia a ideia e o argumento; a locação, eu já havia definido: a Praça Mauá e a casa de Oiticica na Rua Engenheiro Alfredo Duarte.  Como cenário, usamos objetos da casa, com a participação de Hélio e sua inseparável TV em preto e branco¨[3].

 

Em 1970, Kinaston McShine convidou Oiticica a criar uma obra para sua exposição Information, no Museu de Arte Moderna de Nova York. Hélio propôs criar um vídeo com uma hora de duração. Como afirmou em correspondência com McShine: ¨Vou criar a obra com um artista com quem tenho muita afinidade, Lee Jaffe; ele é americano, está morando aqui e estamos planejando o trabalho juntos; queremos produzir algo que seja informação direta, seca, instantânea e viva: algo que seja não o trabalho de alguém, etc., e sim um ¨estado de ser¨ em si¨. O trabalho não foi apresentado durante a exposição de McShine; Hélio acabou decidindo produzir Ninhos. INFORMATION será concluído pela primeira vez na galeria, seguindo instruções específicas escritas por Hélio e sob a supervisão do próprio Jaffe. “Este é o desafio, reger uma obra que nunca foi executada”, afirma César. “É uma exposição que traz novas questões inclusive museológicas para a obra dele”, comenta, acrescentando não se lembrar de “nenhuma outra mostra que tenha avançado tanto no pensamento, na pesquisa do Hélio”. “É uma semente. Estamos começando a nos debruçar sobre o Barracão, que foi a própria vida dele”, conclui.

 

Durante sua estada em Nova York, em colaboração com o cineasta Neville D’Almeida, Oiticica concebeu Bloco-Experiências em Cosmococa – programa in progress (1973–74), uma série de nove ambientes ‘supra-sensoriais’, cada um incorporando projeções de slides, trilhas sonoras, desenhos com pó de cocaína e instruções para os visitantes. Estas proposições foram a epítome do que Oiticica chamou de “quase-cinema”, e do seu desejo de fundir a “vida-experiência” individual com a arte. A exposição na galeria inclui Cosmococa 2, CC2 Onobject, em cujas instruções, datadas de 12 de agosto de 1973, Hélio afirma: ¨…tem que ser outra coisa: U-M-A C-O-I-S-A N-O-V-A, como a própria Yoko¨. Com 5 elementos visuais fotográficos projetados nas paredes a partir de slides contendo imagens dos livros Grapefruit, deYoko Ono, Que É Uma Coisa, de Heidegger e Your Children, de Charles Manson; facas, papel e palha de aço; cocaína; objetos variados espalhados sobre uma superfície de trabalho, incluindo régua, lápis, cartões, etc. e um caderno de desenho.  O público é convidado a dançar num quarto cujo chão está totalmente coberto com espuma de borracha branca de espessura média.



[1] Orig.: ¨Crelazer¨, ¨As possibilidades do Crelazer¨. ¨Barracão¨, ¨LDN¨ (1969).  Publicado originalmente  na Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, Aug. 1970 (parcialmente), e Aspiro ao Grande Labirinto, Rio de Janeiro: Rocco, 1986 (texto inteiro).

[2] Tradução do texto de Ann Gallagher publicado em: ttp://www.tate.org.uk/whats-on/tate-modern/exhibition/helio-oiticica/helio-oiticica-exhibition-guide

[3] Prefácio de A Arma Fálica em Antonio Manuel: I Want to Act, Not Represent! (catal. da exposição), New York: Americas Society and APC, 2011.