A segunda exposição que a Galeria Nara Roesler do Rio de Janeiro recebe é de Vik Muniz. O artista, que atua entre Nova York e o Rio de Janeiro, apresenta 11 trabalhos, inéditos no Brasil, de duas séries recentes, Album e Postcards from Nowhere. Nelas, trabalha com fragmentos de fotos e de cartões postais, respectivamente, para trazer à tona e subverter os mecanismos pelos quais as imagens são percebidas, quando decompostas nas suas várias camadas de compreensão: o detalhe, a totalidade e o imaginário de quem a vê.
Formadas por fotos em p&b e sépia retiradas de recordações de famílias, as imagens da série Album são elas mesmas enormes reproduções de cenas pessoais imortalizadas pela câmera. Tirar fotografias era, até pouco mais da metade do século 20, uma ação quase solene, reservada a ocasiões especiais, pelo preço e especificidade dos materiais utilizados. Dessa forma, apenas os momentos verdadeiramente memoráveis mereciam registro.
Com o barateamento do equipamento e o advento da tecnologia digital em sua reprodutibilidade infinita e instantânea, a fotografia hoje tornou-se corriqueira, perdendo a dimensão de solenidade e de intimidade. É isso que Muniz problematiza em Album, por meio da miríade de imagens que concorrem para formar a macrofoto.
O olhar do espectador divide-se entre concentrar-se na imagem maior, que aqui pode ser a menina da baliza de uma fanfarra, o senhor orgulhoso do produto de sua pesca ou a jovem posando na praia, ou focar as várias pequenas recordações que parecem se perder na coletividade e impessoalidade. Assim, o público se vê confrontado por questões como a experiência pessoal em contraponto à experiência coletiva, à formação da memória e a banalização da imagem com a saturação de sua incessante produção.
Já em Postcards from Nowhere, Muniz se vale de fragmentos de cartões-postais para refazer paisagens icônicas. A própria técnica usada para fotografar essas “colagens” acrescenta volume aos recortes, com a projeção de uma iluminação que torna perceptíveis as sobreposições de suas pequenas partes. Isso cria a ilusão de que a fotografia em dimensão gigante é ainda um recorte e não uma reprodução. Mais uma camada que joga com a ideia de representação.
No movimento de aproximação e afastamento para captar tanto a imagem maior quanto seus pedaços, o espectador recorre não só ao que vê, mas também ao imaginário que conserva sobre esses logradouros famosos. Como define o crítico britânico Christopher Turner sobre o trabalho de Vik Muniz, “a multiplicidade de imagens utilizadas para compor suas colagens acrescenta uma terceira camada mediadora, que envolve ainda mais o público e faz referência a toda a bagagem visual e cultural que cada um traz ao seu encontro com a arte. As peças isoladas que compõem o quebra-cabeça são, elas mesmas, imagens que chamam atenção e desaceleram o movimento do olho, frustrando qualquer leitura sem solavancos.”
Essas diferentes camadas impelem o espectador à percepção dos mecanismos que viciam sua visão, ou que convertem as imagens em elementos reconhecíveis e, portanto, assimilados superficialmente. Ver atentamente uma obra de Vik Muniz é fazer um exercício de autocrítica do olhar, na busca pela observação desautomatizada do mundo ao redor.