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Criada pela galeria para nossos artistas, a exposição reúne trabalhos que ressaltam a poética das suas práticas e, de alguma forma, sintetizam seus trabalhos. 

Ao saber da nossa proposta, os artistas nos surpreenderam com respostas que tomaram dois rumos opostos. Enquanto alguns viajaram para o passado, resgatando trabalhos que agora, olhando para trás, mostram-se fundamentais para suas investigações artísticas atuais, outros deram um salto à frente, criando novas peças que sinalizam territórios inexplorados, formas e pensamentos a serem desenvolvidos.

A mostra segue em cartaz até 8 de fevereiro.

artistas e obras
Abraham Palatnik participa da mostra com Objeto lúdico, obra interativa de 1965/2002. Palatnik retomou a pesquisa com campos magnéticos, criando um objeto lúdico, que, nas palavras de Frederico Morais “consiste na colocação sobre uma base circular, de vidro, de formas geométricas de cores diferentes, acionadas diretamente pelo espectador, através de um bastão magnetizado. Vale dizer, Palatnik usa os polos positivo e negativo dos ímãs para atrair ou repulsar as formas geométricas que constituem fragmentos de uma estrutura maior a ser armada pelo espectador-participante. Trata-se, no limite da interpretação, de um jogo”. 

Alberto Baraya é conhecido por suas expedições internacionais em busca da flora artificial “nativa”. O artista cataloga, com rigor científico, plantas artificiais encontradas em cada um dos países visitados, tocando em questões como a racionalidade da ciência, a pirataria e o mercado de réplicas, e os hábitos culturais e gostos locais. A Maleta pseudobotânica (2013), instrumento com o qual o artista sugere coletar os frutos de suas expedições, é exibida em uma reprodução fotográfica de dimensões diminutas – logo, portátil.

Projeto Chernobyl, iniciado por Alice Miceli em 2006, teve desdobramentos diversos. Para além das conhecidas “autorradiografias”, que registram a contaminação do ambiente após longo tempo de exposição do filme, a artista criou registros fotográficos da zona de exclusão de Chernobyl, que serão mostrados pela primeira vez emPrática portátil

Os conceitos de extensão e contração, análogos aos de expansão e contenção, que norteiam a mostra, estão presentes na série dePantográficos de Artur Lescher. A escultura apresentada pode ser aumentada e diminuída por meio de suas juntas e dobradiças – característica física também do pantógrafo (do grego pantos = tudo +graphos = escrever), aparelho articulado capaz de copiar, ampliar ou diminuir desenhos mecanicamente. Em sua prática escultórica, Lescher questiona o objeto em si e as qualidades – estéticas ou conceituais – que ele pode ter em determinado espaço, criando relações/tensões ao seu redor.

Brígida Baltar vem trabalhando com tijolos desde 1993. Mais especificamente, os tijolos de sua casa. Os primeiros resultados foram duas séries de fotografias que mostram uma parede que foi escavada para abrigar o corpo da artista, e os tijolos removidos foram usados na construção de uma torre. Desde então, a extração de tijolo foi feita em pó, e do pó Brígida inicia uma série de novos objetos e desenhos. Eles delimitam o campo de ação que Brígida tem desenvolvido desde o início de sua carreira até a duração final do material, e assim segue estabelecendo no tempo, a relação entre a casa e o corpo ou a casa e o universo. A casa como um universo em si mesmo. Na presente exposição, o pó do tijolo é colecionado e ordenado cromaticamente em delicados potes de vidro.

Bruno Dunley comentou, em entrevista para a revista Celeuma: "tenho muita dificuldade de escolher o que pintar e, de certa forma, acho que essa dificuldade está virando um assunto". A indecisão sobre o assunto é fundamental para a produção de Bruno Dunley. Emprestando o arquivo visual da enciclopédia, o artista processa o científico e o esquemático com a imprecisão da pincelada e do pigmento, criando pinturas entre o figurativo e abstrato, que oscilam entre objetividade e subjetividade.

Cao Guimarães exibe uma fotografia da série Gambiarras, na qual a capacidade de improvisação gera estranhamentos capazes de reinventar o olhar para objetos e situações prosaicos, criando uma poética singular. Na obra selecionada para Prática portátil, um porta-malas mantém-se provisoriamente aberto graças a uma tábua de madeira.

A forma como Carlito Carvalhosa ativa o espaço é ao mesmo tempo um ato de ocultamento e revelação. Intimando e frustrando o olhar do espectador, a maquete de Vai para fora cá dentro, de Carlito Carvalhosa, é coberta de olhos-mágicos que, embora instiguem, apenas permitem visualizações parciais ou obstruídas de seu espaço interior – os pontos de vista, predeterminados pelo artista.

A pintura de Cristina Canale revela traços bastante singulares, notadamente a maneira como os elementos figurativos da composição estão sempre prestes a se diluir em pura abstração. A obra Ladrilho, especialmente concebida para a mostra, sugere azulejos através das cores tradicionalmente empregadas em sua confecção (azul e branco), da repetição de um padrão e, ainda, através do próprio formato da pintura – um quadrado em pequenas dimensões.

Eduardo Coimbra apresenta uma releitura das Malas com movimento respiratório (1992). Os trabalhos elaborados nos anos 1990 utilizam-se de mecanismos elétricos, luminosos e motores aplicados a objetos do cotidiano. Apontando para o surrealismo paisagístico e arquitetônico que permearia sua prática posterior, o artista interpreta a mala como uma caixa torácica, um espaço que, em sua moção de abertura e fechamento, controla a entrada e a contenção do ar. As malas peludas deixadas sobre o piso, respirando profundamente, causam um estranhamento tanto pelo espaço em que estão inseridas, quanto pela percepção do espectador.

Destacam-se trabalhos históricos como os Bólides Apropriações de Hélio Oiticica, que ecoam os acontecimentos da land art e da environmental art norte-americanas, embora o artista os visse de forma distinta: "Bólides, com terra dentro, é muito mais moderno agora do que earth works, porque aquilo é um pedaço da terra. (...) Toda essa mitificação é sintetizada numa coisa sem ser isso de quadro ou escultura, é um pedaço da coisa", disse o artista em conversação com Aracy Amaral, em 1977, reproduzida no livro Textos do trópico de Capricórnio, vol.1).

É no início da carreira que Karin Lambrecht repensa a tela e a forma de pintar – elimina o chassi, costura o tecido, utiliza retalhos. Seus trabalhos íntimos e autobiográficos muitas vezes incluem cruzes e as referências ao corpo, metais nobres, e índices de diferentes níveis de identificação do espectador com a obra. A obra selecionada para Prática portátil, objeto de técnica mista, resume a iconografia de Karin e oculta bilhetes escritos a mão que demandam que o visitante os encontre, abra-os para leitura.

Caixa pó, de Laura Vinci é essencialmente uma caixa com pó de mármore. Dentro da caixa, um carimbo de metal cujo contorno enuncia "pó" é mantido como um convite para jogar, aludindo a nossa tendência humana de criar contornos, de transformar, por meio da linguagem, a matéria em sentido. Isso é particularmente pungente pelo uso do mármore, o material morfológico por excelência dentro da tradição da escultura na Grécia Antiga e na história da arte romana. 

Há quase duas décadas Lucia Koch pesquisa as questões de espacialidade e iluminação (luzes, gradações e filtros de cor) em diálogo com a arquitetura. A artista participa da mostra com Mel e com obra inédita sem título. Encarceradas numa mala e em estruturas de janelas pré-fabricadas, respectivamente, a sobreposição das chapas de acrílico colorido se expandem através de dobradiças, revelando a poética de Lucia. Facilmente confundidas com materiais de construção de casa, elas sintetizam questões de luz e espacialidade presentes em instalações site-specific como Conversion, apresentada com destaque na Bienal de Sharjah (2013).

Stockage 01, de Luzia Simons pode ser entendida como uma etapa prévia, que desdobrou a atual pesquisa (com scannograms em grande formato) da artista. Luzia tem a tulipa como seu objeto central, que tornou-se um dos motivos da vanitas após o colapso do mercado holandês em fevereiro de 1637 (a tulipomania foi a primeira bolha especulativa da história). A artista constrói uma ponte – do século XVII até os tempos atuais –, com os aspectos típicos da nossa época, como globalização, nomadismo cultural e marcas multiculturais.

Combinação Torreão, definido como uma espécie de torre, pavilhão ou eirado, é o título do trabalho em curso de Marcelo Silveira. Abrigada dentro de uma mala, a obra consiste em um entrelaçamento em formato cúbico feito com couro pernambucano. Em sua plena expansão, a obra ocupa cerca de 9m2. Como uma rede aberta, que se apropria do espaço no qual se expande, o trabalho sugere a proximidade física e a distância simbólica entre inúmeras obras de arte e instituições, entre o artesanato local e o mercado de arte. Nessa mostra, Combinação Torreão (2004/2014) é exibido fechado, com uma fotografia que ilustra sua plena capacidade de expansão.

Marco Maggi, frequentemente lida com reflexos e transparências no uso de espelhos e na incisão sobre acrílico e materiais transparentes. A obra apresentada na Galeria Nara Roesler, chamada Portable infinite (New dog) [Infinito portátil (Cachorro novo)] trata-se de um espelho de inspeção veicular que pode ser manuseado pelo visitante. Paralelo ao chão, o espelho reflete o teto ou o céu, fazendo-nos repensar sobre o zênite.

A produção de Marcos Chaves insere-se, de maneira renovada, na longa tradição da poesia visual, seja pela inserção de frases, seja pela escolha de títulos sutilmente ambíguos e divertidos, que conduzem uma reflexão bem-humorada – como é o caso de Jaws. Em tradução literal, seu título significaria "mandíbulas", o que nos levaria a uma nova percepção da bolsa vermelha escancarada. Jaws é ainda o título original em inglês de um clássico do cinema o blockbuster Tubarão, trazendo a citação pop que é recorrente em seu trabalho.

Filmado em Lima, Bulto, de Melanie Smith, retrata as peregrinações de um “troço” rosa volumoso. O objeto não se denuncia aparentemente, não se pode reconhecer seu uso ou destino – mostra-se apenas como uma massa afetiva que perturba, interrompe e impede o fluxo da diegese do filme e as implicações políticas, históricas e sociais dentro dessa narrativa.

O crítico Michael Asbury comenta que Milton Machado é um “contador de histórias”. O texto escrito é frequentemente importante em suas obras e origina personagens e mundos paralelos. O título das obras, bem como o depoimento do artista sobre elas, é essencial para a compreensão – ou para o desvio de significado – de seu trabalho. Pano de limpeza seria tão somente uma flanela para limpeza de aparelhos eletrônicos, brinde da marca nacional Gradiente. Intervenções e recortes transformaram a palavra, tornando-a “radiante” – resultado de tudo que é devidamente limpo. 

O duo de artistas O Grivo participa da mostra com uma de suasMáquinas sonoras. Com engenhocas bem-humoradas e aparentemente precárias, O Grivo pertence ao seleto grupo de artistas sonoro-visuais brasileiros bem inseridos no contexto das artes plásticas e cujas obras incluem o uso de aparatos inusitados. Diferentemente desses, porém, graças, em parte, à formação musical de seus integrantes, as obras d’O Grivo priorizam a sonoridade: embora o efeito visual esteja longe de ser casual, a imagem é consequência da dimensão musical.

Paul Ramirez Jonas considera suas criações, na verdade, reinvenções, derivadas principalmente da noção de leitura – numa compreensão que considera o público muito mais que leitor passivo, mas um agente capaz de constituir, com sua participação, o sentido da obra. A obra 100, de 1995, dispõe, em ordem cronológica, fotos em preto e branco de cem pessoas com idades entre 0 e 99 anos. O resultado é uma linha do tempo bastante simples na qual o visitante, de maneira intuitiva, insere a si mesmo.

Frequentemente explorando a língua, Paulo Bruscky utiliza-se da paranomásia ao ressignificar uma peça de gelo baiano através da simples fixação de uma alça no topo do bloco de concreto. Uma fotografia testemunha a ação do artista que, vestido como um “homem de negócios”, carrega sua valise. Sempre testando os limites da prática artística, se mantém consistentemente à margem do mercado, se apropriando das ruas de Recife como suporte para suas performances e desenvolvendo trabalhos, em muitos casos, efêmeros como Mala de gelo, um objeto-performático que se derreterá durante a abertura da exposição.

Raul Mourão tem uma longa série de trabalhos sobre futebol. Começou desenhando em ferro a geometria dos gramados e, em trabalhos mais recentes, criou peças a partir da perspectiva do pênalti, fragmentando a grande área em múltiplas arestas. Pênalti caixa, que enclausura a grande área do gramado, testa os encaixes e limites entre o que está dentro e o que está fora, entre o que é estático e o que é movimento.

Os desenhos em tons de vermelho e magenta, cores que impregnam o trabalho de Rodolpho Parigi, baseiam-se nos métodos automatistas do surrealismo e eram reconhecidos em seus grandes formatos. Em sua nova série, o artista consegue transpor seu desenho – visceral e orgânico, retalho idiossincrático de todas as suas referências da high artao pop – ao papel em pequenas dimensões. 

Sérgio Sister exibe pinturas em pequeno formato, criadas em 2003, que dialogam com suas telas de pequenas dimensões, realizadas desde 1988. Rodrigo Naves considera que a obra de Sister, apesar de se aprofundar nas questões mais específicas da pintura sem qualquer concessão a comentários prosaicos, como luz, tons e natureza das pinceladas, contém conflitos internos e tensões que levam sua inquietação para além dos temas estritamente pictóricos. “É sobretudo nesses momentos de indefinição que os quadros aparecem mais intensamente”, diz o crítico e curador.

Relicário: mala de mármore não é exceção à sagacidade de Vik Muniz. A combinação do material e do assunto – uma mala feita de mármore maciço preto – desorienta o modus apparatus do espectador e frustra expectativas. Parte da série Relicário, não tão conhecida quanto muitas outras, o trabalho remete à sua produção mais antiga, criada nos anos 1980, como Ashanti Joystick e Clown Skull.

A Galeria Nara Roesler aproveita a ocasião para receber seus novos artistas, Fábio Miguez e Virginia de Medeiros. 

Fábio Miguez explora o espaço pictórico para além da pintura com a obra Ping pong. Uma grande caixa de madeira encerra superfícies variadas (em seus tamanhos e materiais) com motivos geométricos que se desdobram para a tridimensionalidade – os espaços bidimensionais (planos), que poderiam ser tradicionalmente exibidos nas paredes, transformam o contêiner num novo objeto de complexa categorização.

Virginia de Medeiros exibe uma maquete em madeira da Kombi dos anos 1960 utilizada nas viagens do projeto Fala dos Confins. Com a perua, que ganhou o nome de Catarina, a artista viajou por cidades do sertão nordestino e originou um encontro sensível entre a tradição oral sertaneja e o universo das artes visuais contemporâneas. O trabalho demonstra a constante pesquisa da artista sobre estilos de vida.