Na Espera: Produção no isolamento reúne trabalhos desenvolvidos na quarentena por artistas representados por Nara Roesler. O debate sobre a reclusão traz à tona posições tradicionalmente opostas: muitos a consideram um inconveniente e a principal causa de ansiedade, outros acreditam que a condição proporciona uma perspectiva inigualável. Como escreveu a poeta e escritora Tishani Doshi: “A solidão tudo exagera – beleza, perigo, terror, calma. A solidão é, de fato, uma busca por intimidade, uma busca por nós mesmos.” A exposição surge da difícil tarefa de apresentar obras que emergem como uma miríade de respostas a essa situação, circunscrevendo-as em um critério temporal ou contextual sem impor nem expectativas, nem preconceitos a sua recepção, ao mesmo tempo em que se evita um mero recorte cronológico.
Busca-se evitar um tom dominante, seja de positividade, esperança, sofrimento ou melancolia, pois essa atitude viria a se contrapor a um dos aspectos mais intrigantes da produção artística desta época: a de como cada indivíduo passou a se envolver, lidar e responder às circunstâncias únicas que se abateram sobre nós. Na Espera: Produção no isolamento é um exercício de abordagem de trabalhos surgidos em decorrência do prolongado período de distanciamento social obrigatório durante a pandemia que, mesmo sob diferentes formas, partilham uma característica comum justamente por terem surgido das particularidades instauradas nos últimos meses. A mostra busca apresentar a natureza multifacetada dessa experiência recente, evocando sua monotonia, solidão, isolamento, assim como o modo em que levou artistas a sonhar com espaços abertos, a olhar para si mesmos, seus tetos e pisos, e a revisitar trabalhos abandonados há muito tempo.
Em Na Espera: Produção no isolamento, três abordagens abrangentes se delineiam de modo determinante em meio à variedade de práticas e experiências na quarentena. A primeira refere-se ao processo de olhar para dentro. Nesse sentido, Fabio Miguez nos fala da preguiça, do tédio, da ociosidade, por meio das quais olhava para o interior de seu ateliê, passando a investigar as padronagens do tapete, assim como sua inerente banalidade. As fotografias de Laura Vinci são instantâneos de ervas secando em sua própria cozinha, uma espécie de natureza-morta improvisada no espaço escuro, calmo e silencioso da solidão. Já os 120 dias de Marco Chaves são, como prenuncia o título, resultado de 120 dias de isolamento, durante os quais o artista produziu uma fotografia por dia, captando tanto o interior da sua casa, como o exterior visto de dentro, criando uma série que incorpora a cadência da quarentena, a quietude que convoca a atenção para os mínimos detalhes do nosso entorno, trazendo à tona o ordinário que, muitas vezes, passa despercebido.
O segundo modo de reação provém do desejo pelo ar livre, ou talvez, de modo mais amplo, pela liberdade. O Jardim, de Maria Klabin, por exemplo, é uma pintura de uma paisagem onírica em grande escala, que parece habitar o limite entre consolidação e a dissolução, incorporando os sentimentos de hesitação e incerteza na espera por tempos melhores. Vik Muniz especulou sobre um lugar que transcende o contexto físico e geográfico, sendo capaz de existir temporariamente – e com exclusividade – na memória de alguém, ao evocar a mente como espaço a ser explorado livremente quando nos encontramos fisicamente restritos.
Por outro lado, o isolamento, a impossibilidade de troca com o exterior, desencadeou o desejo de olhar novamente para aquilo que já se possuía, assim como de mergulhar mais fundo e intensamente em trabalhos pré-existentes. Imbuída de uma nova perspectiva, Virginia de Medeiros retornou aos seus arquivos antigos, o que lhe permitiu completar uma série não finalizada. Brígida Baltar encontrou novas formas de trabalhar com os icônicos tijolos extraídos das paredes de sua casa na década de 1990, criando, com o material, uma série de esculturas de seios, que, em sua individualidade, captam a diversidade das experiências femininas ao mesmo tempo em que oferecem um reflexão sobre seus possíveis significados durante esse tempo, sem desvencilhar-se da própria biografia da artista.
Em última análise, Na Espera: Produção no isolamento traz a oportunidade de mergulhar em variadas experiências de reclusão, identificando como a natureza sem precedentes das circunstâncias deste ano moldou a comunidade artística da Galeria Nara Roesler. Talvez, diante desse cenário inusitado, a mostra seja capaz de apresentar uma combinação de propostas artísticas tão variadas entre si, propondo diálogos entre artistas que nunca ou raramente foram mostrados lado a lado; mas cuja justaposição, à luz da pandemia, passou a fazer sentido. Suas obras se unem pela experiência compartilhada mas infinitamente diversa de 2020, oferecendo uma reflexão sobre as múltiplas compreensões, internalizações e expressões, assim como as consequências do cotidiano moldado por esse ano.