sobre

Aspectos marginais da sociedade recuperam dignidade pelo olhar sem julgamentos de Virginia de Medeiros, em cartaz na 31ª Bienal de São Paulo e na Galeria Nara Roesler SP em outubro, com curadoria de Moacir dos Anjos.

 

Virginia de Medeiros faz do universo marginal da sociedade a base de seu trabalho multimídia, que usa fotografia, vídeo, escultura, instalação e outros suportes, às vezes simultaneamente, em cada novo trabalho. É ela que ocupa a Galeria Nara Roesler de São Paulo entre 23 de outubro e 23 de novembro com sua obra contundente. Quem assina a curadoria é Moacir dos Anjos. Por seu olhar despido de preconceitos e julgamentos, abdicando da vitimização ou condenação de seus personagens, a artista de Feira de Santana constrói retratos polêmicos da vida social por meio da narrativa de histórias singulares. Elas representam aspectos obscuros que preferimos não reconhecer, embora de alguma forma estejam latentes em cada indivíduo. Eles são a subversão da normatividade vigente, principalmente na relação do desejo frente à moral. Com uma abordagem por ângulos inusitados, os trabalhos são de uma beleza incomum e criam um espaço onde as diversas faces da sociedade, em seus elementos desprezados, bem como da sexualidade,têm sua possibilidade de existência assegurada.

 

É assim com a obra Sergio e Simone (2010/2014), que a artista exibe atualmente na 31ª Bienal de São Paulo. Por meio da projeção simultânea de três vídeos, o público toma contato com a história de Simone, uma travesti de uma região degradada de Salvador que, após uma convulsão por uso de crack, volta a assumir sua identidade masculina e se torna pastor evangélico, para depois oscilar entre suas duas personas e suas duas religiões, o candomblé e o cristianismo pentecostal.

 

Para a Galeria Nara Roesler, Virginia de Medeiros reservou três de seus trabalhos, produzidos entre 2006 e 2014. No mais recente, Em Torno dos Meus Marítimos (2014), a baiana mostra quatro fotografias e um vídeo que enfocam Dona Marinalva, Casteleira de Salvador. Casteleira é a dona de um bordel, conhecido como Castelo, que funciona como casa e local de trabalho das prostitutas. A lendária Marinalva ganhou fama na cidade por ter sido presa após desembarcar de um navio filipino no qual viajou ilegalmente, vinda da Itália. O universo sadomasoquista é o foco dos cinco diários e do vídeo de Jardim das Torturas (2012-2013), premiado com a Bolsa Funarte de estímulo à Produção em Artes Visuais 2012. Nesse trabalho, os protagonistas são Dom Jaime, um dominador sádico, e suas duas “escravas”. Eles trazem à tona um mundo considerado abominável, em que o código de conduta despreza a noção de autopreservação, tão cara às normas da atualidade. 

 

Nas palavras do crítico Jurandy Valença, “Virginia (seguindo Michel Foucault) defende que o processo de subjetivação ‘é sempre ético, por oposição à moral. A moral julga baseada em um conjunto de regras coercitivas. As regras da ética são facultativas e avaliam oque fazemos e o que dizemos em função do modo de existência que isso implica’”. Finalmente, o menos recente dos três trabalhos exibidos, Studio Butterfly (2003-2006), também se utiliza do recurso de três projeções em exibição simultânea. O foco são histórias de diversas travestis que frequentaram a sala homônima, montada pela  artista como ponto de encontro com elas, em um prédio comercial de Salvador. Após trazerem fotos pessoais e contarem alguma de suas histórias para a câmera, as transexuais eram clicadas por Virginia de Medeiros, de quem ganhavam o book fotográfico, igual ao das top models.