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José Patrício apresenta coletânea de trabalhos produzidos nos últimos dez anos, trazendo como novidade formatos menores na exibição de variações geométricas que criam grafismos

 

O pernambucano José Patrício faz sua estreia na Galeria Nara Roesler do Rio de Janeiro a partir do dia 01 de outubro, trazendo uma série e oito (se preferirem, nove trabalhos) trabalhos produzidos nos últimos dez anos, com seleção e texto de parede de Felipe Scovino. No conjunto, trabalhos de técnicas variadas trazem como eixo comum o uso de padrões geométricos na composição de grafismos com materiais cotidianos, muitas vezes descartados ou não valorizados, como botões, lápis de papel, pregos e os dominós e dados que já se tornaram marca registrada do artista.

 

Uma novidade são obras de dimensões mais reduzidas que, por exemplo, na última exposição realizada na Galeria Nara Roesler de São Paulo, Afinidades Cromáticas (2014), em que todos os trabalhos tinham as dimensões de 155,5 x 160,5 cm.

 

Um novo trabalho dessa série, Afinidades Cromáticas - Dourados (2015), é o carro-chefe da mostra. Com uma infinidade de botões dourados nos mais variados formatos bordados sobre um fundo de tom terroso, lembrando ouro velho, o trabalho recente aproveitou a sobra dos botões dourados, que não foram usados nas peças da exposição do ano passado. Com a incidência de luz sobre os metais, a obra ganha um efeito brilhante impactante.

 

Obra Cega e Obra Cega II, ambas com 67 x 67 cm, também trazem um brilho que deve mudar com a ação do tempo. Sendo ambas superfícies quadradas de madeira recobertas com pregos de cobre e de latão, respectivamente, apresentam o brilho dos materiais metálicos em diferentes matizes, de acordo com sua idade. "Tanto o cobre quanto o latão se alteram com a ação do tempo, vão ganhando uma pátina, uma oxidação. Já há essa diferença entre os pregos: os mais novos são mais brihantes, os mais antigos já mostram pontos escurecidos. É um elemento que deve ser incorporado pela obra", declara José Patrício.

 

Com a colocação dos pregos muito próximos um ao outro, numa "precisão de arrumação", o efeito é o de uma superfície tátil, monótona e contínua. A diferença entre ambos os trabalhos é conferida pelas cabeças dos pregos: os de cobre tem cabeça mais achatada, enquanto os de latão tem cabeça mais arredondada.

 

Outra peça que compartilha o brilho, aqui sobre uma superfície prateada, é Espelho (2006/2014, edição de três exemplares + exemplar de exibição). Apesar de trabalhar com brilho, sua dimensão é a menor do grupo apresentado na mostra: 24 x 43,5 cm. São 6.274 peças de metal organizadas dentro de uma caixa de acrílico da mesma forma que as obras da série 112 Dominós, colocadas uma ao lado da outra em camadas sobrepostas. Pela formação de uma superfície lisa, cria-se uma reflexão das imagens como um espelho, daí seu nome. Mas a imagem refletida não é perfeita: pela fragmentação das peças que formam a superfície refletora, o que se vê é uma figura fragmentária projetada no plano prateado. 

 

Catorze obras exibidas em um único conjunto trazem como base de composição os dominós. Dominós - Série Branca (2012/2015) é um grupo de pequenas placas de madeira de 32 x 32 cm cobertas com dominós pintados primeiramente com esmalte sintético, recoberto ainda com tinta automotiva. "Elas começaram a ser feitas há muito tempo atrás, em 2012, e ficaram no meu ateliê, então resolvi revitalizá-las com a tinta automotiva, que deu um novo brilho às obras, monocromáticas", conta Patrício.

 

O dominó também é matéria-prima de Superfície Ondulada em Branco II (2011), que cria um efeito de ondulação suave por meio da sobreposição e do desbaste da tinta em sua forma. Sobre uma superfície, os dominós de resina branca são aplicado de forma a ganharem inclinação alternada. Quando uma peça tem sua ponta esquerda elevada, a seguinte ganha elevação na ponta direita.

 

Essa alternância da colocação dos dominós já cria por si só uma ilusão de ondas sobre a superfície, ainda de forma mais geométrica, pelo formato retangular dos dominós. Para dar fluência ao ritmo visual ondulado, o artista aplicou esmalte acrílico branco em diagonais. "Depois do esmalte seco, passa-se uma lixa e cria-se a suavidade da ondulação. Em alguns casos, a peça perde sua marcação de dominó. Ficam apenas vestígios, resquícios do que a peça foi. Então é um processo que vai desbastando, revelando o que a tinta branca cobriu, e ao mesmo tempo apagando os números das peças", diz o artista.

 

Se os dominós surgem parcial ou totalmente recobertos pelo branco ou desbastados, os dados, componentes numéricos de forte qualidade visual lógica, têm na junção dos mesmos números de suas faces a formação de padronagens geométricas rítmicas. Essa é a forma compositiva da obra Mosaico (2014), um quadrado de 58,5 x 58,5 cm em que dados muito pequenos criam padrões visuais pela aglomeração dos números 3, 4 e 5.

 

Seguindo a ordenação de materiais por uma regra pré-estabelecida e seguida à risca para formar efeitos gráficos, duas obras da série Vanitas -- Vanitas - Notações em Campo Aleatório (2015, 52 x 52 cm) e Vanitas - Notações Ritmadas em Campo Aleatório (2015, 42 x 42 cm) -- retomam figuras de caveiras para lembrar o caráter perecível do homem. "As Vanitas (vaidades), expressões artísticas que ressaltam a finitude do ser humano, aglutinam tematicamente o primeiro conjunto de obras. Quando as pinturas vanitas se popularizaram, no século XVII, o mundo europeu passava pelo estremecimento de certezas detonado parcialmente pela acensão do Protestantismo. Os quadros apresentavam elementos que advertiam severamente sobre a brevidade da vida e a vanidade das riquezas e dos luxos terrenos, sendo quase que constante a presença da caveira ou mesmo do esqueleto inteiro. José Patricio transpõe esta discussão para a atualidade ao trabalhar a imagem da caveira (...)", segundo a curadora Cristiana Tejo.

 

Patrício utiliza lápis de papel envelhecidos, desbotados, para criar uma sequência rítmica intercalada por pequenas caveiras de cerâmica, componentes de bijuterias. Em ambas as obras, os lápis são arrumados em movimento de espiral de fora para dentro das superfícies quadradas em que são sobrepostos, cerrados em esquadria de 45 graus. A diferença da notação em campo aleatório comum para a ritmada é que na segunda as caveiras são dispostas no fim de cada lápis, enquanto na comum as caveiras são colocadas aleatoriamente, sem uma regra de ordenação.

 

Seguindo a mesma lógica organizacional em espiral, de fora para dentro, a obra Sete em Sete também usa botões como base cromática de composição de um esquema visual. Com botões todos do mesmo tipo, o que os diferencia são as sete cores dispostas em grupos de sete em sete botões sempre na mesma sequência, repetida novamente assim que completada. No fim do trabalho, todas as cores foram usadas sete vezes na padronagem.

 

Com esse apanhado abrangente e variado, José Patrício faz seu début na Galeria Nara Roesler da capital fluminense trazendo nas entrelinhas o elogio do comum como índice e registro da existência humana. Se em seus trabalhos a mão do artista dá lugar a elementos cotidianos, é para colocar em primeiro plano a coletividade, representada tanto no agrupamento das matérias-primas quanto na escolha desses elementos, resultantes do trabalho de tantas outras mãos. Pela junção de peças banais senão pela compreensão da técnica criada pelo homem para suas forjas, formam-se jogos de imagem completados pela figura do espectador, complementar ao artista.